O Cine

Cedo ainda, ele entra.

Apressado, como de praxe.

Qual seria o filme?

O cartaz responde:

Rastros de ódio, com John Wayne.

É o ano de 56.

A perplexidade quase

narcotiza a vista:

o projetor pinta na tela

índios não tão vilões assim!...

Está mais cansado

nesse início de noite,

as mãos ainda com vestígios

de graxa, as retinas

semicerradas, pedindo

cama ou rede para

os ossos, músculos e mente...

O jovem mecânico estava ali

apenas porque nutria

a esperança de pegar

nas mãos da namorada,

que não pôde vir. E ele se foi.

Sonhou com aquela

sessão superlotada, em 39:

era ...E o vento levou.

Ela estava lá. Sorriu-lhe.

Só em sonho. Nem nascida era.

E ele, criança apenas.

1959. É outra sessão agora:

Bem Hur, com Charlton Heston.

Alfredo e Joana entram,

de mãos dadas e anéis nos dedos

-- eram alianças!-- no Cine Guajarino.

Não, não era sonho. Ou melhor, era!

Mas um sonho realizado.

E os cinéfilos ilhéus em multidão

se ombreiam na fila,

principalmente mulheres,

tudo por causa do galã.

É, Charlton Heston é o culpado

-- de jeito algum o vilão!...

Os anos 70 trouxeram para a Ilha

as espinhas de peixe das tevês,

e as telenovelas te dizimaram,

velho Guajarino... Mais

um lugar do ontem

nas reminiscências do agora.

Na tela sombria da mente

se dorme um sono pesado,

mais que o de Alfredo

naquelas sessões em que

o enredo da película, sem dúvida,

não poderia jamais lhe apetecer.

Restam as preciosas recordações:

aquelas sessões noturnas,

no meio e nos fins de semana,

com suas movimentadas

matinês e as vesperais, comuns

em férias e feriados.

A lucidez de Wolney Dias

e Pedro veriano é que

nos lembram desses memoráveis

tempos, dessas melancólicas

projeções docemente rememoradas.