Se as pedras falassem

Se as pedras falassem seriam testemunhas da felicidade concretizada,

da beleza do momento ainda que efêmera.

Ah, como gostaria de ter a capacidade de prolongar este orgasmo mental,

de parar os intervalos entre cada segundo e neles viver indefinidamente meu estado de êxtase.

Se as pedras falassem me dariam um ótimo testemunho,

já que não posso confiar totalmente em minha memória limitada e carregada de subjetividade.

Busquei ao redor de mim, alguém que também tivesse visto o que eu vi,

alguém que também tivesse sentido o que eu senti.

Entretanto não encontrei nada além de pequenas pedras jogadas no asfalto.

É triste querer reviver o que nem ao menos sabemos o que experimentamos .

Infelizmente não há qualquer registro escrito ou filmado durante aquele fatídico entardecer.

Não há qualquer objeto que me possa remeter diretamente a o que aconteceu naquela tarde.

Triste de mim, pois estarei sempre condenado a nunca mais ter a real dimensão do ocorrido.

Entretanto, há uma esperança, se as pedras falarem poderei relaxar.

Se aquelas pequenas pedras falarem o que viram sei que confiarei completamente.

Não há razão alguma para mentiras, sei que diriam apenas verdades e o melhor de tudo:

me dariam uma visão isenta do fato, descarregada de qualquer forma de pessoalidade.

Sim, caro leitor, apenas preste atenção.

Como poderia ousar duvidar de seres que habitam a sarjeta ?

Que reduzem-se a pequenos e insignificantes detalhes espalhados na rua ?

Que não atrapalham e passam desapercebidos em qualquer lugar ?

Queria eu ter a humildade de uma pedra,

quem sabe assim, eu poderia me deixar contagiar.

E com os meus tormentos, de uma forma diferente, me relacionar.

Quer saber ? Dane-se aquela tarde !

Daqui para frente vou construir novas dela,

e vou ter sempre a certeza que as lembranças são como pedras

não podem nem devem querer se superestimar.