Sessão nostalgia
Silêncio!
Quero aproveitar esse clarão de nostalgia
e ficar a sós comigo mesmo.
Quero me enveredar por dentro
buscar minha cidade
pisar novamente o seu solo
vagabundear pelos becos da memória
abraçar os meus amigos
e ser eu outra vez.
Quero vestir calças curtas
andar descalço sem rumo certo
descançar na beirada do rio
rir um riso verdadeiro
me arriscar nos coqueiros
perseguir o arco-íris
e acreditar que consigo alcançar o horizonte.
Ah, como é bom ter o que recordar.
Pobre de quem não tem história.
Quase me sinto de novo menino
entre tabuleiros e pencas no mercado
feito cobra preparando um bote certeiro
ou nas ruas de São Vicente
pacífico bairro que me criou
entre gritos e correrias
nos degraus da escadaria
que do peito nunca será demolida.
Ai, meu Deus, é tanta vida
que não dá para me sentir infeliz.
Menino vadio, eterno perseguidor
desde cedo atrás do seu nariz
inventando travessuras
invejando a liberdade do voar
amando os pássaros
robando frutas do vizinho
e num cantinho sonhando muito também
se procurando nos riscos das mãos
planejando tanto
e sempre tonto acabava por dormir.
Menino bobo que se deixou crescer
tolice se deixou levar
trocou tanto por tão pouco
louco aventureiro
navegando na saudade
de um rio que já lavou suas mãos
que já o inspirou em tantos versos
e cheio, bravo, até o assustou.
Lá rio doce e aqui amargo na garganta.
Numa ironia agora meus olhos estão cheios
e ele lá magro de dar dó
depois sedento bebendo toda a chuva
até transbordar e invadir Colatina
como se fosse um menino sapeca
querendo encontrar-me também e ainda fazendo arte
mas o menino que ele procura
cresceu e partiu
foi à noite e creio que ele não viu
e nem eu comovido
tive coragem de me despedir.