UM GOSTO DE ONTEM...
Nem é de um poema
que eu preciso tanto!
Mas de uns olhos que me faziam bem,
da quietude que minha cidade tinha,
da infância que fugiu tão ligeira.
Do pão que o velho trazia
num carrinho de mão!
Nem é de um poema
que eu preciso tanto!
Mas da morena da minha sala de aula,
do sossego de uma tarde de pescaria,
da algazarra dos tempos de criança.
Da carência de tudo que não
fazia-me falta nenhuma!
Nem é de um poema
que eu preciso tanto!
Mas das saliências que nem eram pecados,
dos jogos que o palco era a rua de casa,
dos furtos das frutas dos vizinhos.
Do meu pai que se preocupava
tanto com aqueles filhos!
Nem é de um poema
que eu preciso tanto!
Mas dos loucos amores de uma noite só,
das fugidas pro morrinho de São João,
da boca seca nos iniciais namoros.
Do contentamento de herois
no dia do primeiro beijo!
Nem é de um poema
que eu preciso tanto!
Mas de mim mesmo dos outros tempos,
das emoções que não soube aquilatar,
da vida que havia na vida de antes.
E que a saudade de agora
tenha o gosto de ontem!