Instantes
Haverá sempre o outono
As folhas caindo.
As árvores envelhecendo.
Os ventos uivando segredos.
E a sensação de que o tempo passa.
Passa eternamente...
E nos deixa a beira de uma lápide.
Haverá sempre o inverno.
O frio a corroer as costelas
A zombar das cobertas
E gélido prazer de abrir a porta
E escolher o vento para decolar.
Haverá também a chuva
Lavando as calçadas.
Regando a vida lá fora.
Miúda ou graúda...
Temporais fortes e inundantes...
Ou o breve orvalho da manhã.
Há na chuva um bálsamo misterioso.
A imantar as lembranças com
o chiado da chuva sobre os telhados...
As estações nos confundem...
Os hormônios nos confundem...
A estrada já não é a mesma...
Os passos se amiudaram...
As pernas encurtaram...
Há apneia onde antes havia fôlego.
As escadas parecem ser mais íngremes
As rampas são inacessíveis...
E há algo de sólido que não conseguimos engolir...
As palavras jamais ditas....
As declarações inusitadas e silenciadas pela covardia...
A sílaba interrompida pelo abismo
Ou a semântica escorrida no infinito
De olhares, reticências e saudades.
Não decifrei o segredo do outono.
Não decolei com o vento escolhido.
Não lembrei de tudo que queria
no dia chuvoso.
Só guardei o silêncio mágico das
estações da vida.
Os instantes infinitamente vividos.