A Eritrina
A Eritrina
As minhas lembranças cortam mais que os espinhos da Eritrina do meu quintal.
O menino correndo já cansou.
Escondeu-se tanto em seus esconderijos que se perdeu.
Tantos bilhetes escreveu para as amadas que vive rasgando seus rascunhos de vida.
Jogou tantas “peladas” que perdeu o jogo para o tempo e se veste para o mundo de hoje.
Voava com as pipas e acabou sendo cortado pela vida telúrica.
O menino brincou tanto que ficou sério.
Da sua fechadura não consegue mais ver Tereza.
O menino não enxerga mais a inocência.
Banho de chuva e lambuzar-se na terra suja o paletó e a responsabilidade.
O menino “não fica mais de mal”, faz negócios com amigos que nunca fizeram juras de sangue.
O cofrinho cheio de moedas, a coleção de soldadinhos de chumbo, a foto de heróis... o homem depois do menino tem, apenas, talões, contas e receitas médicas na cabeceira da cama.
As minhas lembranças cortam mais que os espinhos da Eritrina do meu quintal.
O menino correu tanto que cresceu.
O medo da cuca e do bicho-papão; “booooooooo”.
O homem, de hoje, tem medo da vida.
A vida de ontem tinha sabor e cor.
O tempo de outrora tinha tempo pra tudo.
Hoje, agora, já. O homem, de agora, sem tempo pra perder perde a sua vida.
O menino falava palavrões.
- Cala a boca! O menino calou sua inocência.
O menino falava a verdade na cara de adultos.
- Vá para o quarto, pois está de castigo! O menino amadureceu.
O menino queria chorar.
- Meninos não choram! O menino, hoje, não chora e nem sorri.
O menino era curioso.
- Vai apanhar! O menino segue a vida batendo e apanhando de sonhos e fracassos.
As minhas lembranças cortam mais que os espinhos da Eritrina do meu quintal.
O menino correu demais que está chegando onde nunca quis.
- Pega o menino!
- Coloque-o dentro do mundo!
- Acorrente-o na vida!
- Prenda-o, açoite-o, flagele-o!
- Menino, você cresceu e pronto!
O menino percebe que não é mais menino.
Tem, agora, jeito de adulto, sonhos de adulto, vida de adulto, pressa de adulto... tudo de adulto.
O menino é adulto.
O menino chora e grita.
- Quero ser criança!
O menino, a duras penas, aprende que em terra de gente grande a criança, sempre, sempre, será adulta.
As minhas lembranças cortam mais que os espinhos da Eritrina do meu quintal.
Mário Paternostro