Zico Sapateiro

Zico Sapateiro

Meio índio, meio branco, mistura de corpos e culturas, sujeito alto, magro, sempre elegante, bigode com curva, cabelos negros, sempre com gomalina, sapatos... os sapatos, sempre brilhantes e combinando com o terno da ocasião, tinha um especial o de domingo usado para ir ao culto na igrejinha da cidade. Esse homem tinha um talento admirável, nos anos 60 os sapatos eram feitos a mão, sob medida, o couro era tratado no quintal, lembro-me vagamente da oficina, era em um casarão bem grande, o sapateiro morava com a família nos fundos e na frente era sua oficina, “Sapataria do Zico fabricação e consertos em geral”, dizia a placa em cima do batente da porta, porta de madeira, fechada com “tramelas”, sem fechaduras, seu Zico não precisava trancar as portas, olhando da rua via-se um pequeno balcão de madeira, um banco pequeno, nas paredes “pés” de madeira, que na minha visão de criança, pareciam feitos para o Pinóquio, uma máquina de lustrar era movida por um pedal, assim como a máquina de costura, ainda escuto aquele som, musicado, cadenciado, em um ritmo correto para não quebrar a agulha. Enquanto trabalhava, cantava hinos de louvor, tenho sempre em minha mente um que dizia assim: “ segura na mão de Deus, segura na mão de Deus, pois ela, ela te sustentará, não tema segue adiante, não olhe para trás, segura na mão de Deus e vai...”martelava e cantava a até tarde da noite sob a luz da lamparina de querosene...

Tachas e pregos em caixinhas, um martelo estranho, que nunca mais vi outro igual, uma bigorna em forma de sola de sapato, onde encaixava o molde. Passa cola, bate prego, corta o excesso da sola, encaixa o molde, olha contra a luz, busca a perfeição, passa tinta, e põe fogo, isso mesmo, ele colocava fogo na tinta para ela fixar-se, passava no rolo de polimento e outra mão de tinta, em um processo delicado e repetitivo, uma obra de arte, depois de pronto o sapato era calçado em um daqueles “pés” de madeira que mencionei antes, descansava dois dias para ter o formato exato.

Pronto, o cliente já podia vir buscar...

Entrei na ponta dos pés, Seu Zico sorriu, me deu um abraço apertado, apertando minhas bochechas e esfregando seu bigodão, contra minha pele de criança, me pegou no colo e disse:

Esse eu fiz para você!

Meu primeiro sapado de homenzinho.

Seu Zico, meu avô querido, quantas lembranças e quantas saudades...