As cores que ninguém vê
As letras negras de certos versos
a deslisar sobre o dorso alvo do papel
Papel que me espreita pálido e ávido a me revelar
pela grafia de letras e de facetas
que se escondem dentro de mim
As letras negras sobre o bréu da noite,
perante a lua branca, mesmo assim,
ninguém vê
poesias obscenas espreitam de pé rente à porta do infinito.
mas o poema simplesmente acaba,
menos a poesia
que sobrevive do amarelar das golhas no outono,
do verde suave do orvalho da manhã,
das pétalas coloridas da primaver,
do azul presumido do céu
E de repente, bem no meio de algumas linhas poéticas
salto direito do abismo
para alcançar uma alma solerte e dormente
que se prosta diante de mim
a inventar a forma, imersa em barro
e chama...
que brilha nos olhos a vividez
da vida.
despeço-me de todos solenemente
um adágio, um adeus, um aceno
todos os signos de um fim premeditado.
não se pode mais sentir o sentido das coisas,
pois as coisas perderam seus sentidos
em meio das
cores...
Então, o sol amarelo,
alaranjeia todas as tardes,
a sangrar um adeus,
Então, a manhã goteja lágrimas de orvalho
a se despedir
do seu amor- noite,
Então, a estrela do mar
acena delicadamente sobre a areia
para a sua estrela lá no céu ,
que num ímpeto se torna cadente,
e risca o céu,
num rabisco de promessa.
São cores que ninguém vê
São pessoas que ninguém vê
mas existem,
vivem, latejam
e morrem
sob nossa ignorância
O sol não nasce para todos.
As cores não aparecem para todos,
a luz só traz a visão,
à quem tem alma.