( Imagem do recanto de minha infância- Poema em alusão ao dia em que parti de vez para voltar apenas em visita- estava com dezesseis anos)


OVERDOSE DE SAUDADE
 
Eu não queria. Mas um dia a porteira fechei.
Seu rangido cinza e triste feriu meus ouvidos,
Em busca de sonhos meu recanto deixei.
Para trás ficou a marca de tempos vividos.
 
A velha casa pintada de azul e branco quieta,
Me olhava de um jeito que machucava a alma.
Desaguei o meu pranto, resisti a dor inquieta,
Virei as costas, fui forte, não perdi a calma.
 
Fechei os olhos para não ver o cão vira-lata,
O gato pardo com seu semblante acusador...
No palco da vida não conheci a luz da ribalta,
Troquei a felicidade por esse fogo abrasador.
 
Como uma cobrança ouvi os sons de cacarejos
Das galinhas gentis e o velho galo cor de fogo.
Seu canto ecoava em tristes e agudos solfejos,
Quis gritar o meu próprio discurso demagogo.
 
Me calei e na resistência volvi o lânguido olhar
A percorrer o quintal de minha distante infância,
Subi em cada árvore, colhi laranjas para chupar,
Guardei sua doçura em meus dias de distância.
 
Eu não queria. Mas hoje senti a dor da saudade
A machucar o meu peito numa overdose pura
Que se entranha no ser e faz perder a sanidade,
Me perco em lembranças, sofro sua agrura.