Saudade
Enquanto lá fora
a tarde se entrega ao ocaso,
em seu deslumbrante
vestido de morte,
aqui,
na semi-escuridão
alaranjada
deste meu quarto
de dormir,
ouço,
com o coração
gelado
de alegria,
os concertos
de Brandenburgo,
de Bach.
A noite
traz consigo
suave
brisa outonal,
que entra
pela janela
em silêncio profundo:
pequenos galhos e folhas secas dançam,
e suas sombras
são como fantasmas na parede.
Sou criança de novo,
sinto meu corpo
quase flutuar
sobre a cama,
e um cheiro bom
de broa de fubá
com erva-doce
me chega de longe
no tempo.
Uma frase me vem de repente:
“Amor de vó tem cheiro de erva-doce”.
E tão de repente assim,
no mesmo sopro
de memória,
outros cheiros
e imagens
ressurgem
do passado,
cheios de vida:
meus avós
na roça,
fogueira de Santo Antônio,
cipó de São João,
café,
biscoito,
canjica
e quentão.
A saudade hoje é laranja,
é fria
e arde.