Atlas

Amanhece, raios rasgam

o torpor do manto de breu

que, como imaculado véu

despenca sob os telhados.

O pó devora o tempo, e nós

entalhamos nomes de mentira

nos móveis de mogno de nossos

avós. Dormem os adultos, três décadas;

Com o peso do mundo

a sangrar-lhes as costas.

Ombros tenros, fastigados,

e lágrimas difusas e reluzentes.

Sendo tão indiferentes.

E um fantasma chora, enchendo

a tua caixinha de pérolas foscas.

As contaremos, brincaremos, rodopiando-as:

bolinhas de gude, virando criancinhas.

"Cá estamos," encarcerados,

em verões atrasados,

como vagalumes piscando

numa compota de vidro.

De tarde corremos, coroados,

e sentamo-nos a absorver

a alva espuma dorsal que

ferozmente lava a mortiça areia

Eu conto-lhe uma história, entretendo

com a língua úmida, envolta de polpa,

de figos, os lábios como pétalas secas,

crispando a mercê de intempéries.

E sob estrelas cadentes,

teu crânio oco repousas

leve, em meu colo florido,

rendendo-se a Morfeu.

Eu bebo o mar então, à luz

da solidão, e engasgo com as conchas.

Nós jamais precisamos de um mapa

para nos afogarmos.