PRAIA SEM NOME
Caminhei na praia sem nome
Imerso em pensamentos íntimos
Tão íntimos que são só meus...
Jamais os partilhei
Vi com prazer as ondas beijarem a areia
As milhares de criaturinhas coleantes que o mar descobriu em seu movimento
Tão apegadas a uma vida tão breve
É breve a vida do homem também
Cem anos, oitenta, noventa, não importa...
E sempre breve
Ouvi ao longe a gaivota grasnar
É isto que fazem as gaivotas?
Elas grasnam?
O que sei e que não é um piado o som que ela faz
Na falta de conhecimento mais exato...
Minhas gaivotas seguem grasnando
Observei o velho pescador puxando a rede
Peixes infelizes enredados nela
Dois cachorros três crianças seus três ajudantes e eu...
Únicas testemunhas
Um gesto secular no moderno século xxI
Um anacronismo?
Não creio...
A guerra lembra meu cérebro em voz distante...
Também é secular
E hoje mais do que nunca os homens fazem a guerra
No horizonte surgiu um navio
Corpo metálico e cinzento contra o céu cor de anil
Um feio petroleiro
Com feia, mas necessária carga.
O progresso acena para mim através dele
Triste por vezes
Surpreendente quase sempre
Mas implacável o progresso
Pequenas embarcações de pescadores dançam nas ondas furiosas
Um frágil equilíbrio do homem contra a natureza do mar
Um quadro de simples e magnífica beleza
Ainda é belo este mundo
Estranho mundo
As crianças nas dunas amarelentas
Gritando felizes em perseguições infindáveis
Idosos em lento caminhar
Parlamentando coisas de sua vida... talvez
Vi crustáceos medrosos fugindo pra água
O que teme você pequeno siri?
Teme a morte fora da água que respiras?
Ou só o homem que sempre traz a morte em si?
Caminhei na praia sem nome esta noite
Velho lugar de um tempo que já perdi
Acordei preso ao cheiro impossível da maresia
Atrelado à saudade imensa daquele lugar.