Pé de carambolas e sonhos bons...
O vento sopra a areia do tempo
Visto as vestes do tempo
Não sinto mais o mesmo vigor
Na minha cama… na minha pele… nas minhas mãos.
Nem quero. Queria mesmo esquecer.
Canta, tempo… leva-me para longe.
Leva-me para a casa da minha infância
Onde o desassossego era adulto e não era meu.
Eu só estava por perto… espectadora
E acreditava ser tão simples resolver o que eu via.
Não. Eu cresci… e não era fácil.
Nem sempre larguei meus afazeres de sonhos bons para olhar o cenário real.
Se eu pudesse… brincava o tempo inteiro de cabra-cega.
Aliás… era a minha brincadeira preferida.
Gostava também de brincar de esconde-esconde… sumir um pouco.
Subir no pé de carambolas do quintal do vizinho
E posso dizer-lhes, meus senhores…
Que lá no “olho” da árvore… o vento tinha tempo
De balançar-me a alma e pentear os meus cabelos meninos
Não gostava muito de largar a minha caixa de lápis coloridos e cheirosos
Cheiro de cera e de infância… que deveria ser permanente.
E quando chovia… preocupações também adultas.
E era o dia mais feliz para mim
Bonequinhos desciam as correntezas que formavam-se no meu quintal
Nos meus barquinhos de papel que desmanchavam-se
Tão rapidamente quanto os sonhos bons.
Sempre fui sozinha… mas não de gente.
Esta forma melancólica que é envólucro amassado de minha alma
Anda comigo… desde sempre. E nem sempre gosto.
Bem… também não gostava de ser meio ruiva. Isto eu pude mudar.
Não de ser ruiva. Mas do “meio-ruiva”… não gosto de nada pela metade.
Lembro-me que fitava o espelho da penteadeira de minha mãe
Foi um presente de meu avô… marceneiro.
Ele sabia fazer mágica de aparecer móveis na minha casa pequena.
Minha mãe ficava rapidamente feliz.
Então… quando eu fitava o espelho dela por um bom tempo…
Pensava em gravar o meu rostinho na minha memória.
Sonhava em ser bonita como ela… tolice de criança.
Mas não queria a vida dela para mim.
Em contraponto… queria existir igual à ela. Plena. Corajosa. Linda.
Ela fazia tudo ao mesmo tempo… e não esquecia o batom carmim.
Nem o sorriso… nem a gentileza. Nem de acompanhar as notícias.
E sabem… nunca amargou. Permaneceu a ternura.
Mágica esta mulher. Tão fraca eu diante dela.
Lamento, mãe. Eu não consegui. E ainda bem
Porque continuas sendo o meu objetivo e força
O meu ponto… sem ser o final.
Mas consigo sorrir em dias de chuva
Quando lembro-me dos barquinhos da minha infância.
Dos badoques construídos astuciosamente pelas mãozinhas trelosas dos meus irmãos.
E sei chorar junto aos meus irmãos dores nossas.
E os amo… muito e tanto e sempre. E para sempre os guardo
Na minha caixinha de lápis cheirosos e sonhos bons.
E não necessito do Amor para Amar…
Simplesmente amo quem eu amo.
Eu nunca tive muitas bonecas… mas aos oito…
Ganhei uma linda demais… olhos de sonhos.
E adulta, ganhei outra… olhos de sonhos.
Todas as minhas bonecas têm olhos de sonhos…
Não sei por quê.
Mas eu tenho apenas sonhos bons quando olho nos olhos delas.
Minhas duas bonecas de sonhos bons.
Hoje amanheci cansada e vestida com a roupa do tempo
E o vento do pé de carambolas… não penteia mais os meus cabelos.
Embaraça as minhas idéias… levanta a areia do tempo e sinto medo.
Preciso voltar… à casa “sacra” da minha infância.
Vou tirar esta roupa… tomar banho e esfregar bastante
Lavar o tempo hoje de mim.
Karla Mello
Fevereiro/2012