poema para sêo zé
depois de tantos passos aqui,
por onde andas tu agora, meu avô?
que tens feito para controlar teu reumatismo por aí?
ainda tomas garapa de açúcar e te levantas antes
[do sol nascer?
sabe,
este ano, teu ceará até começou bem o campeonato
[na primeira divisão, mas acabou não resistindo
[a pressão e caiu pra segundona outra vez.
eu o acompanhei de longe:
a cada vitória, era eu – menino outra vez – te vendo
[sentado ali, na calçada de casa, com o radinho
[de pilha ao pé do ouvido, vibrando
[solitariamente cada gol
tenho saudade de tudo, vô:
das tuas pernas tortas, do verde melancólico
[dos teus olhos, dos ditados matutos, do fumo
[cuspido pela casa, do carrinho de mão,
[do ciscador, da pá, da enxada,
[do capim;
saudade ainda das rugas no teu rosto,
dos teus cabelos brancos, das tuas mãos grossas,
do teu jeito de me abençoar:
– Deus te dê uma boa sorte!
tenho saudade também do teu silêncio,
da ausência de gestos que costumavas ter depois
[de um dia inteiro de trabalho,
da tua simplicidade, do teu suor, do teu riso manso.
quando homem, foste José Farias de Melo;
hoje, és saudade por todos os lados.
para meu avô (in memoriam)