poema para sêo zé

depois de tantos passos aqui,

por onde andas tu agora, meu avô?

que tens feito para controlar teu reumatismo por aí?

ainda tomas garapa de açúcar e te levantas antes

[do sol nascer?

sabe,

este ano, teu ceará até começou bem o campeonato

[na primeira divisão, mas acabou não resistindo

[a pressão e caiu pra segundona outra vez.

eu o acompanhei de longe:

a cada vitória, era eu – menino outra vez – te vendo

[sentado ali, na calçada de casa, com o radinho

[de pilha ao pé do ouvido, vibrando

[solitariamente cada gol

tenho saudade de tudo, vô:

das tuas pernas tortas, do verde melancólico

[dos teus olhos, dos ditados matutos, do fumo

[cuspido pela casa, do carrinho de mão,

[do ciscador, da pá, da enxada,

[do capim;

saudade ainda das rugas no teu rosto,

dos teus cabelos brancos, das tuas mãos grossas,

do teu jeito de me abençoar:

– Deus te dê uma boa sorte!

tenho saudade também do teu silêncio,

da ausência de gestos que costumavas ter depois

[de um dia inteiro de trabalho,

da tua simplicidade, do teu suor, do teu riso manso.

quando homem, foste José Farias de Melo;

hoje, és saudade por todos os lados.

para meu avô (in memoriam)

cristovam melo
Enviado por cristovam melo em 30/12/2011
Reeditado em 30/07/2012
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