O TEMPO DE SER FELIZ

Embarcou esperançoso para uma viagem há muito esperada: revisitar seu passado em sua terra natal.

Ainda era claro o dia quando o barco zarpou rumo ao seu destino, ciente de que precisaria ainda enfrentar um enorme e desafiante rio, majestoso, belo e encantador.

A multidão no barco, aglomerada em escassos espaços, sorria e festejava. Ele, no entanto, não se sentia presente naquele local, seus pensamentos estavam tão perdidos em algum lugar que nem mesmo ele sabia onde encontrá-los.

Procurou acomodar-se em um cantinho onde mal podia atar sua rede, mas isso pouco o incomodava. Alheio ao murmúrio, deitou-se com as pernas prá fora de cada lado da rede, fitou o teto da embarcação, e mergulhado em seus pensamentos, deixou o barulho do barco servir de melodia numa viagem somente de ida.

Sua infância alegre, seus pais e avós, a compra do pão quentinho e do leite na garrafa de vidro transparente... Aquele filme jamais se apagara em sua retina... Como era feliz em seu mundo de inocência... como esse mundo faz falta no mundo de hoje...

Ficou tão absorto que nem percebeu a noite cair. Levantou-se e foi à proa da embarcação fazer uma das coisas que mais lhe dava prazer quando criança: apreciar a escuridão da noite quebrada pelo brilho da lua e desfrutar daquele vento frio perpassando seu rosto.

Novamente, num momento de introspecção, observa o clarão do luar resplandecendo nas águas do rio, rio que sempre fora sua paixão desde pequeno, a ponto de provocar uma atração tão forte que não imaginava outro modo de morrer senão afogado por suas misteriosas águas.

Nada substituía aquele momento mágico, e aquela força divina manifesta sob a forma de natureza reforçava-lhe a certeza de que sua jornada na vida havia valido a pena.

Pensou como seria bom se pudesse voltar não somente na embarcação, mas também se pudesse trazer aquele tempo de volta... Melhor ainda, se pudesse ficar aprisionado naquele espaço, eternamente criança, feliz por comprar pão quentinho e leite todos os dias...