Saudade
O ar que me habita é o de Temadre, Ilha de Bom Jesus dos Pobres...
quando havia o mar e o seu cheiro, risos e a ilusão de liberdade.
Recupero os personagens que lá estiveram presentes.
Eles nunca foram embora.
Habitam a minha saudade.
Os caranguejos passeiam pela areia.
Risos cortam o ar.
E a sensação de leveza
depois de um banho de mar.
Não sei porque lembro disto agora.
Talvez porque seus passos nunca mais estarão lá,
seu riso, seus sonhos
e a teimosia de acharmos que um dia
seremos completamente felizes.
E seguirmos em frente exatamente por isto.
Não são pegadas passos depositados na areia.
Se vão com o vento.
Se vão com o tempo.
Somente o coração é estrada que conserva passos, marcas,
um jeito de dizer,
um volver a cabeça para o lado,
um estender dos braços para o alto supondo-se um pássaro.
Um olhar, um verso...
Tudo fica guardado.
E consola-nos quando não se está mais lá.
E consome-nos quando tudo deixou de existir.
E conforta-nos criando a ilusão de que não fomos embora.
O ar que me habita é o da Ilha de Bom Jesus dos Pobres, Temadre ...
Céu azul, dia claro.
Dia de domingo, cheiro de moqueca de peixe.
E você lá.
Banhos de mar, corrida na praia,
sonhos de liberdade
e beber vinho.
Sentir e desejar a vida.
E depois?
A nadificação de que nos fala Sartre?
Não, não posso crer ...
Onde está você agora?
De onde liberta o riso
que nos meus ouvidos ecoa?
O ar que me habita é o da saudade.
E nele tudo está lá:
você, o mar, o vento, o tempo,
os caranguejos na praia ...
E isto conforta-me,
consome-me,
consola-me.
O ar que me habita é o da saudade.
E nele está tudo lá.
Então, por que é só dor o que me sai da pena?
27.07.03. DOM 14:30.
Para a minha irmã, Joseny (In memoriam).