FARÓIS & MAIS
FARÓIS
Estrias de luz correram por minha barba
e nela se instalaram. Toda branca
ela ficou, não por tristeza manca,
e nem sequer por peso e fardo e carga.
Sobre os fios que recobrem os meus olhos
os cabelos recusaram essa luz,
tornaram-se grisalhos. Não seduz
o emaranhado cinzento dos escolhos,
que ao redor de meu crânio esfiaparam
e pouco remanesce do que foram.
Infelizmente, nem sequer coroam
de prata digna os lados da cabeça.
Mas vejo sombras por luz, que se escaparam
e a luz por ver-se em prata não se apressa.
MINIATURVA
Pois bem: não é assim. Os outros todos
só nos vêem de soslaio. Nunca somos
o centro de suas vidas. Sempre fomos
uma pequena malha nos seus nodos.
Migalha apenas nos seus pensamentos...
Poucos são os que escolhem, nesta vida,
partilhar com os demais, nessa indevida
postergação dos próprios sentimentos.
Talvez seja verdade... Cedo ou tarde
o bem que já fizeste a ti retorna...
O certo é que ninguém mais se conforma
se lhes fazes o mal. E, às vezes, arde
tão mais profundamente o teu favor,
que até te odeiam por lhes mostrar amor!
REGRAS DA VIDA XXIX
Cada um de nós tem sua zona de conforto,
onde se sente bem, lugar seguro,
que pode controlar -- um jeito puro
de não se expor em algum estranho porto.
Isso, no entanto, representa o aborto
de mil possíveis escolhas de tua parte...
Quiçá a rejeição casual da arte...?
Quem está mais seguro do que um morto?
Também, porque a zona em que te sentes
tende a encolher, secar, se os seus limites
não tentares expandir de quando em vez...
Porém se apenas ao novo te concites,
um novo mundo que inda mal pressentes
quem sabe hás de criar nesse talvez?...
REMOQUE
A verdade faz Deus e é Deus que a ouve
quando Lhe suplicamos desde a mente.
Não no pôr-se de joelhos mais freqüente,
mas no fundo da alma, em que se louve
como feliz a situação vigente,
ou como súbito encontro que nos houve.
É então que a alma ainda mais se volve
e põe-se a convocar o servo onipotente...
"Cuidado, então!" --- diziam os Romanos.
"Que os deuses te escutem é possível
e até mesmo que te façam a vontade..."
E como hás de saber que teus insanos
desejos de um porvir mais aprazível
alcançarão te dar felicidade...?
ZETÉTICA [Conjunto de preceitos para resolver problemas ou achar novas rotas.)
Existem sobre a Terra mil portais,
numa malha simétrica, que cobre
o mundo inteiro e que não se descobre
senão depois de darmos os finais
passos de entrada nas vastidões fatais
que abrem para nós um mundo pobre
ou rico de prazeres, que recobre
completamente o plano a que, jamais,
retornaremos. Às vezes, é o destino
que nos convoca. Ou então, casualidade
que nos faz atravessá-los, inconscientes.
Ou podemos, em pleno desatino,
sentir seu palpitar de opacidade
e cruzá-los, quando estamos descontentes.
ROUFENHO
Descerro grandes olhos para o mundo,
surpreso ainda, após sessenta anos,
ainda mais enquanto sigo enganos
a cometer, alguns do mais profundo
teor... Outros, apenas indolentes,
ou erros leves, fáceis de perdoar,
tais quais nos outros costumo desculpar,
embora em mim não sejam tão freqüentes.
A minha sorte é que, ao longo de minha vida,
eu aprendi a conhecer minhas falhas,
para não repeti-las, dia a dia...
Usei de minha experiência; e dou guarida
apenas a erros novos, cujas malhas
até o presente inda não conhecia...
PÁSCOA
Houve um tempo em que a Páscoa nos lembrava
a vitória de um Cristo ressurgido.
O mundo inteiro num mistério ungido,
a igreja inteira que amor santificava...
Houve um tempo em que a família se encontrava
diante do altar daquele sonho antigo,
em que Jesus era descrito como amigo
e a velha história em hinos se cantava...
Mas hoje transformou-se a sagração.
Mudou-se a data e um novo ideal surgiu.
Tornou-se a festa rebrilhante do papel
de chocolate, na comercialização...
Hoje o Coelhinho da Páscoa ressurgiu,
pois nele reencarnou Papai Noel!...
TRÂNSFUGAS
Aqui estamos nós. Existe vinho
para abrir-nos as bocas e os desejos.
Revelar que queremos novos beijos
desfrutar, numa prova de carinho,
diferente daquele comezinho
com que nos acostumamos aos ensejos.
Animados de álcool, aos arpejos,
nos expomos de quem está vizinho.
Sempre disseram que a verdade está
no vinho; e que somos mais sinceros
quando esquecemos tais inibições.
E é o vinho que nos leva para lá,
pondo de lado costumes mais austeros,
com que nos faz gotejar os corações.
MAGNETOS
Já se aproxima o fim deste período
em que a dar aulas vejo-me forçado.
Já desgastei as solas do calçado,
a cada vez que a energia de meu díodo
me ponho a desbastar. Nestes meus passos,
que sempre me conduzem fielmente
de retorno a meu lar, nesta insistente
caminhada... Em que ando sobre os traços
fosforescentes de rastros desbotados
e atravesso por mim, como um fantasma,
pelos caminhos que tanto já cruzei...
Em que marcham mil de mim, engalfinhados,
nessa marcha em roteiros pleonasma,
do ataúde em que a mim mesmo carreguei.
CANTO INDECISO XXII
Não é que encontre em mim a pretensão
de ser melhor que os outros ao redor...
Quando eu contemplo os que famosos são,
vejo igualmente minha obra com favor.
E me perturba até que a compreensão
do que escrevo, nem todo o meu leitor
atinja. Pois nesse ver de alheia redação,
a mim parece que os versos deste autor
são bem mais simples. Se leio Luiz Delphino,
ou mesmo os paradigmas de Camões,
encontro termos que nem eu entendo...
Mas nestas frases em que me desatino
queria tocar... nos tantos corações,
cujas tristezas mudas bem compreendo.
CANTO INDECISO XXIIa
Quando contemplo os versos mais antigos
que já escrevi, não vejo diferença.
Não melhorei em sua parecença,
nem me afastei dos velhos seus abrigos.
Só tive de enfrentar novos perigos,
de espreita a cada esquina. A indiferença
de quem queria o olhar que mais incensa
meu coração, ao ver que são aziagos
os dardos que me lança. E nem sequer
me vejo revestido por qualquer
real desejo de uma nova posse.
Não quero que minhalma se destroce
aos pés engalfinhantes de mulher,
cujo perfume somente por mim roce...
CANTO INDECISO XXIII
Minha vida é uma constante hemorragia...
Nasal, às vezes, quando me incomodo
e o sangue escapa, quase como engodo
que à própria natureza enganaria...
Mas quando pago impostos, sofreria
bem mais ainda, qual jogar ao lodo
de meu esforço o resultado todo,
tal que da mente a linfa eu sangraria...
Ao dar aulas, também, sinto que jorra
meu tempo, meu saber, minha paciência,
sem que consiga ver um resultado...
Mas me consolo em tua intermitência,
sem que, nos versos, meu talento morra
só por te ver, por vezes, do meu lado.