Para Samara, a ciganinha, depois de cinquenta anos, por causa de uma velha foto perdida em meio a um livro.
A MUSA RECUPERADA
O corpo que passa, balançando gracioso e lento
No porte esbelto, mas caminhando firme e sério.
Os cabelos longos, negros, da cor de mistério
São como a crina de um corcel trotando ao vento.
E nós, meninos, incontinenti, largamos a pelada
Para seguirmos essa estranha e triunfal parada
Que passa nos roubando sossego e pensamento.
Como se nascido em uma campina bem florida
Um suave aroma de pura flor silvestre destilada
Vem na frente como arauto, anunciando a chegada
Dessa deusa, para quem toda atenção é devida.
E a macia bola, que antes era a musa disputada,
Por quem arriscávamos até uma perna quebrada
Jaz num canto, murcha, inútil, rota e esquecida.
Sempre se pensa que para meninos dessa idade
Uma bola é o mais envolvente dos brinquedos.
Porém o mais certo é que, de todos os folguedos
Que o coração de um homem cultiva de verdade,
Ainda é a visão de uma mulher realmente bonita.
Uma mulher que nos atrai, nos cativa e nos excita
E faz conservar, por tanto tempo, uma saudade.
O tempo é o senhor de todos os desenganos.
Essa mulher era você, minha querida ciganinha.
Que foi de todos e de ninguém, muito menos minha.
Samara, perdoa-me, se só depois de cinqüenta anos
Consegui dizer-lhe agora tudo aquilo que pensava.
Naquele tempo, eu menino, tímido, somente a olhava.
É por isso que ainda tenho estes olhos tão profanos.