O SONHO DE JOÃO

João tá dormindo,

não quis despertá-lo...

João, que dormia,

dormia e sonhava.

Olhando-o, queria

fruir a poesia

que livre sorria,

cantava em seu peito.

O riso o afagava!

João, que dormia,

dormia e sonhava.

Um riso de lira

que afaga, que inspira

quebrantos de amor;

transmuda em beleza

a amarga tristeza

que vem... Nem eu sei

dizer de onde vem

na vida da gente!

Quem sabe dizer

que vagos motivos,

esparsos e esquivos,

dispõem à tristeza

que rola do peito,

em prantos desfeito,

sem que nem por quê?

Quem, rico de prendas,

de estro, de lendas,

define as confusas

tormentas internas

que a gente, sofrendo,

nem sabe entender?

Quem sabe dizer

que incertos pensares,

remotos pesares,

envolvem-se, internos.

no centro nervoso,

no peito talvez,

criando essa angústia

de ser e não ser?

Quem sabe por que

no embalo do verso

a dor se transmuda

em canto e sorriso?

Afirme-o quem canta:

se há um mundo diverso

no sonho, no verso,

que a vida não sente.

João tá dormindo

e eu quis despertá-lo.

- Acorda, João!

Que dormes? Por que?

- Acorda... Acordar?

Não vês que no sonho

a vida sorri?

O sol se levanta,

a terra se encanta

da eterna poesia

que envolve mil mundos.

Abriram-se as rosas,

as flores mimosas

do campo ao jardim.

A brisa anda solta

brincando nas folhas,

na relva, nas flores,

na luz sob o sol.

A verde folhagem,

a farta ramagem

balança na copa

frondosa das árvores.

A vida lá fora,

acaso é assim?

O mar vem de longe

e brinca na areia,

sorrindo na espuma

que ensopa seu ventre.

O mar vem de longe!

A praia é a esposa

que ri carinhosa

aos doces afagos

do esposo feliz.

A vida lá fora,

acaso é assim?

É dia de gala

e a vida se embala

no riso das coisas.

Há riso nos campos,

nas folhas, nas flores,

nos frutos maduros

da serra ao pomar.

Há luz infinita

que vive e palpita,

espalha-se e grita

nas vozes dos seres.

Deus ri no sorriso

sem fim das crianças

- os anjos da terra.

Deus ri com os pássaros

trinando, cantando

sem que nem porquê!

O mar anda solto

feliz como o sonho

que eu ponho e disponho

por graças de Deus.

A vida lá fora,

acaso é assim?

Há cantos de paz

dormindo em meu seio.

Há risos de luz

dormindo em meu canto.

Há fogo de amor

correndo nas veias

à espera que o leias

vertido em poemas.

Há deuses no sonho

que eu ponho e disponho

por graças de Deus.

Lá fora é assim?

João tá dormindo...

João não desperta...

- Pois dorme, João!

João, não despertes!

Se acordas, invertes

os sonhos em dor,

a paz em tormento,

o riso em cruento

pesar de viver.

João tá dormindo!

Que sonho tão lindo

João tá sonhando!

Há mundos de fada,

princesa encantada...

de Brancas de Neve...

Romeus, Julietas!

Pois dorme, João!

Pois sonha, que o sonho.

é o mundo dos deuses!

Por Deus, não acordes.

aos tristes acordes

da vida pesada

de guerra e desastres.

Há bombas que atroam

matando e ferindo

num mundo convulso

de horror mais horror!

Cá fora, é assim.

Deus clama terrível

na voz desastrosa

das bombas que atroam.

Pois dorme, João!

Não vou despertar-te.

Pois sonha, que o sonho.

é o mundo dos deuses.

E seja teu mundo

de eterna poesia,

de paz e de amor!