O Poeta e a Saudade
A poesia inaugurou em mim uma saudade perene
Poeta não gosta do tempo que corre
Mas do tempo que arrasta
Revela todos os pequenos detalhes
Como o despertar da flor
Ou o sorriso da criança
Quando nela se abre uma janela de leite e esperança.
Tempo de poeta não tem meta
Apenas senta e espera
Como fim de tarde no interior
Os braços alaranjados do sol acariciando as idéias
Um potro esfregando-se na cerca
Lua cheia espetada na torre da igreja
Os olhos, os ouvidos, a alma
Vazios, inteiros, avidamente disponíveis
Para qualquer beleza que venha da vida.
Qualquer solavanco ou nesga de ar que passa
Mínima alegria ou tristeza
Alma de poeta é assim
Cheia de nadas
Esburacada como queijo bom
Porque não detém objeto
Guarda a perda
A nostalgia do que passou e não volta
Nem se repete.
Em cada dia que chega
O poeta nasce de novo
E recém nascido se encanta
Com essa vida sem molduras e sem limites
Descobre que não é só o desamor e indiferença que fazem sofrer
Sagradas lágrimas lhe brotam
Dos vastos lençóis do seu espírito.
A cada dia
Morre o poeta
Afogado, sem se debater, em lembranças queridas
A borra do café no coador
Restos de prosa fervida
Dura e boa como a velha rapadura
Cinzas de lenha queimada.
O poeta não busca as contradições
Elas o encontram
Nos extremos, confronta sua sina
De apagar água com fogo
Remexer no pó dos séculos
Renascer uma flor
Afagar as louras madeixas
Há muito fenecidas
Renovar esperança
Fazer brilhar na pele murcha
O viço mágico da criança
Alquimia impossível na ciência
Concreta na falta de tudo que já foi.