O Poeta e a Saudade

A poesia inaugurou em mim uma saudade perene

Poeta não gosta do tempo que corre

Mas do tempo que arrasta

Revela todos os pequenos detalhes

Como o despertar da flor

Ou o sorriso da criança

Quando nela se abre uma janela de leite e esperança.

Tempo de poeta não tem meta

Apenas senta e espera

Como fim de tarde no interior

Os braços alaranjados do sol acariciando as idéias

Um potro esfregando-se na cerca

Lua cheia espetada na torre da igreja

Os olhos, os ouvidos, a alma

Vazios, inteiros, avidamente disponíveis

Para qualquer beleza que venha da vida.

Qualquer solavanco ou nesga de ar que passa

Mínima alegria ou tristeza

Alma de poeta é assim

Cheia de nadas

Esburacada como queijo bom

Porque não detém objeto

Guarda a perda

A nostalgia do que passou e não volta

Nem se repete.

Em cada dia que chega

O poeta nasce de novo

E recém nascido se encanta

Com essa vida sem molduras e sem limites

Descobre que não é só o desamor e indiferença que fazem sofrer

Sagradas lágrimas lhe brotam

Dos vastos lençóis do seu espírito.

A cada dia

Morre o poeta

Afogado, sem se debater, em lembranças queridas

A borra do café no coador

Restos de prosa fervida

Dura e boa como a velha rapadura

Cinzas de lenha queimada.

O poeta não busca as contradições

Elas o encontram

Nos extremos, confronta sua sina

De apagar água com fogo

Remexer no pó dos séculos

Renascer uma flor

Afagar as louras madeixas

Há muito fenecidas

Renovar esperança

Fazer brilhar na pele murcha

O viço mágico da criança

Alquimia impossível na ciência

Concreta na falta de tudo que já foi.

Marcelo FAS
Enviado por Marcelo FAS em 26/04/2011
Reeditado em 26/04/2011
Código do texto: T2932925
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