"Na parede da memória"
Calara-se a suavidade de sua voz cansada
Quando a idade já lhe pesava tanto
E os anos, no vão do tempo que se perdiam na memória
Passaram por ela escrevendo nos dias
Uma rica e bela história
As faces ressequidas e tão açoitadas pelo chicote do tempo
As mãos vivas a todo momento
Davam sinais de inquietude
E seus passos lentos que duravam séculos
Testavam-me a paciência tão escassa
Na solidão de seus últimos anos
Vivia a ruminar palavras mudas
E vez por outra vazavam no ar sons "criptografados"
Ah! Como eu fazia força para entendê-la
Ao menos uma palavra
O seu olhar pacifico me acarinhava tanto
E dizia-me de um amor que ela nutria por mim.
Eu sentia esse amor como sentia o silencioso calor do sol
Das manhãs de todos os dias
Ah! Como são eternas aquelas manhãs em mim
Quando eu, envolto na minha ingenuidade infantil
Vivia a admirá-la de longe, e perguntar-me
Para onde ela tanto olhava ?
E o que ela tanto via lá ?
Hoje, na mesma varanda que ela sentava-se todas as manhãs,
Há apenas a sua cadeira velha a emoldurar a sua ausência,
E em mim uma saudade que emoldura sua presença pacifica e enigmática,
Pintada na minha memória como se fosse
Um quadro de Da Vinci.
® Varley Farias Rodrigues
do Livro Antologia de Poetas Brasileiros Contemporâneos, vol. 31