SAUDADE DO MEU PAI.
Lembro dos seus olhos marejados sempre que o coração falava mais alto.
Lembro da gente tomando café junto, toda manhãs,
depois de você ter ido na padaria buscar leite e pão.
Lembro do seu jeito de ler jornal e comentar as notícias do dia.
Lembro de você conversando em alemão com o Tio Romano, idioma que sempre detestei.
Lembro de você contando suas aventuras com o colega na tentativa de vender livros técnicos,
lembro indo pra loja e, na porta, a mamãe dizendo: "Vai com Deus, Deus te proteja, faça muitos bons negócios...".
Lembro das suas histórias da Guerra e nós visitando juntos um Campo de Concentração na Polônia.
Lembro do nosso abraço no dia do meu casamento.
Lembro de você reclamando, aos berros, dos latidos do cachorro do vizinho.
Lembro de você me ajudando a estudar pra prova.
Lembro da sua emoção quando nasceram meus filhos.
Lembro da gente indo à sinagoga.
Lembro de você me aconselhando sobre o relacionamento com as namoradas.
Lembro de você comendo maçã verde.
Lembro de você tirando os óculos para tomar sopa.
Lembro da sua voz, do seu cheiro, da sua cor. Tudo isso parece tão vivo hoje.
Lembro de você sempre vivo e forte para o que eu precisasse.
Lembro das nossas conversas no intervalo do Jornal Nacional.
Lembro das nossas viagens, tantos lugares lindos, compartilhados.
Lembro da cerveja que tomamos logo que chegamos em Praga.
Lembro de você sendo a primeira pessoa a me ligar no dia do meu aniversário. Até hoje espero o telefone tocar...
Lembro da poltrona em que você sentava na sala.
Lembro de você andando de bermuda.
Lembro dos seus chinelos.
Lembro dos almoços de sábado na minha casa.
Até que teve um sábado que você não veio.
Um telefonema e o meu mundo desabou.
Saudade, pai. Fique com Deus. E até a gente se encontrar.
Homenagem ao meu pai, Gerd (Geraldo) Silbiger, bravo sobrevivente do Holocausto e que não conseguiu sobreviver às regras da vida.
Saudade desde 2002, desde sempre.
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