NÓ
Escuto o cantar do galo
abrir as portas do dia.
À revelia amanhece
em mim, a antiga alegria.
Um vento bom sopra leve,
mas uma rosa se despe
e a passarada espia.
Meu coração abre os olhos.
Lacrimeja a minha infância,
lembrança de pura luz:
o meu tempo de criança.
Aspiro o ar da saudade,
toda a antiga liberdade
que a velhice não alcança.
O que não tenho ainda aflora
em mim,como antigamente.
A mãe, café e fogão,
o pai, a voz, o violão,
a lua das noites quentes.
O sonho, o verso e a canção
num jogo de amor e mente.
Hoje, oxida a alma
no corpo já velho e só.
O cansaço vence a calma,
a nódoa do esquecimento
transformando o ouro em pó.
Um fio de pensamento
ata as migalhas do tempo
na teia do mesmo nó.
Marilia Abduani