A Falta de Tudo
Hoje abri o chuveiro,
Deixei a água cair.
Senti um arrepio frio,
Então sorri;
Pois sabia que era você.
Me olhava no espelho
Enquanto me barbeava.
Fiz um corte fundo,
Vermelho sangrava.
Então chorei,
Pois já não sangras mais.
Na toalha macia
Secava meu cabelo.
Senti nela o teu cheiro
E nos lençóis amarrotados.
Não adianta lavá-los...
Abri o guarda-roupa
Mas não me troquei.
Peguei o teu vestido,
Bem forte o abracei.
Já não te serve mais...
Abro a janela para olhar a rua.
Recebo um beijo branco
Ele vem da lua,
Mas já não amo mais ela.
Já não é mais tão bela,
não me traz notícias tuas.
Ninguém pode trazê-las,
Nem mesmo as estrelas,
Que se apagaram com teu olhar.
Os filhos que não tivemos
Correm pela casa.
Atravessam os corredores,
Tropeçam nas escadas,
Aprontam travessuras...
Dou um sorriso bobo,
Mas não me iludo.
Sem você não há filhos,
Nem há casa...
Só a falta de tudo.
Ando pelo bairro
Pra arejar a cabeça.
Vejo luzes, carros,
Nada quer que eu te esqueça.
Ainda te amo demais.
Mas não posso te amar.
Chego ao portão
De onde estás agora.
Arrisco um drama,
Digo que vou embora,
Mas não posso ir.
Me sento em tua cama,
Dou um suspiro fundo
E olho em volta
O que restou do mundo.
E não é tanto assim.
Arrumo tuas flores,
Digo que sinto falta
Da vida e suas cores
E até mesmo das dores,
Do som da tua flauta
Tão doce só pr'eu ouvir...
Eu choro baixinho
No mármore branco
Cá estou sozinho
Cantando este pranto
E você não pode escutar...
Devagar levanto,
Preciso te deixar
Como os que agora são teus.
Seco minhas lágrimas,
Suspiro um 'Ah, Deus'
E este é o adeus.
William G. Sampaio [30/08/2010]