O ADEUS DE UM MORTO
Eu consigo ver todos belos dias que deixarei de viver
Cada bela manhã de domingo que já não terei mais
Amores de primavera com os quais jamais estarei
Consigo observar a longa estrada que se finda pra mim
Olhei nos olhos dos meus, apenas aquela busca por nada
Eles olham em volta, querendo achar sentido
Eles culpam Deus, deuses, demônios, anjos e até uns aos outros
Dizem: Ele era tão jovem, e tinha tantos sonhos
Eu vou entrando na casa, ainda tem minhas pegadas
Marcas por todos os lados: tantos sorrisos, e agora a dor
A TV ainda sintonizada no ultimo canal que assisti
O sofá ainda guarda minha marca, exatamente as curvas da minha juventude
E o quadro com fotos, provando minha breve vida, ainda esta torto na parede
Mais adiante a mesinha onde tomei meus rápidos cafés-da-manhã
Onde durante tanto tempo passava correndo e nem olhava direito minha mãe
... Eu não imaginava o quanto é precioso dizer às pessoas o quanto as amamos
A cama desarrumada da mesma forma que sempre está
Ali chorei meus primeiros amores perdidos
O mesmo travesseiro onde descansei uma mente cheia de propósitos
Onde descobri os prazeres da mortalidade
Os meus livros, senhores do meu tempo, ainda em ordem
Os meus CDs, o velho violão no cantinho onde cantei pra mim mesmo
Ainda tem o meu cheiro, nem parece que já não é real
Vultos de tantos momentos, lágrima e pesar
Meus pais chorando na escada
Mal sabem que fizeram o melhor que puderam
É triste ver essas lágrimas pesadas nos seus rostos
Essa marca de um vazio que jamais será preenchido
Eles nunca vão esquecer, e nunca mais vão dormir como antes
Eles se abraçam, em amor, em ódio, em culpa
É trágico, é finito, não existe remédio, só a doença
Ela lê minhas ultimas composições: era tão promissor, mas...
Eu quase consigo ver meus familiares passeando pela casa
Num almoço em família, um falatório sem fim
E todos riam, não eram perfeitos, mas eram sangue do sangue
E agora se encontram pra enterrar seu irmão, ou primo, ou sobrinho... Filho!
Eu me vejo ali, um corpo ainda cheio de força
Preso na morte, parado no tempo
E logo vai ser devolvido a terra, e ela se alimentará dele
Como um dia ele se alimentou dela, enfim... O infindável ciclo!
Em algum lugar do tempo, o tempo não existe
E tudo se encontra, e tudo é uma só coisa
Num composto surrealista de tudo o que é eterno
O dia sem o ontem e sem o amanhã... O abraço infinito