Eu tinha um cachorro preto...*

Eu tinha um cachorro preto,

Pretinho como carvão,

Um vira-latas da rua

Que era meu filho e irmão...

Crescemos juntos; um tempo

Ele era até montaria

Me acompanhava aos folguedos

Andando por onde eu ia.

Devia ter uma cruza

Com ovelheiro, talvez,

Fiel em todas as horas,

Tinha pose de marquês...

Eu fui ficando mocinha

E com ele não brincava;

Minha tia-avó o adotou

E dele, ela cuidava...

Às vezes, o seu olhar

Me parecia tão triste,

Minha tia-avó reclamava:

- E o Sultão? Tu já o viste?...

Ela é que o alimentava,

Punha água ao coitadinho!

- O cachorro é como eu,

Já está ficando velhinho...

Um dia, ela adoeceu

E não mais se levantou

O Sultão, em sua janela,

Do lado de fora deitou.

Voltei eu a cuidar dele;

Mas ele ficava ali...

Já não brincava comigo

E não saia dali.

Estava em férias da escola

Cuidava da tia e dele;

Mas os dois só definhavam

E ela falava com ele:

- Sultão, sai daí da janela!

Vai brincar com a “Nicinha”!

Era um fiozinho de voz

Que falava, a coitadinha!...

Ele dava um gemido,

A cola um pouco abanava...

E foi ficando mais triste

Conforme ela piorava...

Ela era bem velhinha

- Já não quero mais viver

Estou com quase cem anos,

Tá na hora de morrer...

O Sultão, talvez, teria

Uns quinze anos, talvez...

Pra um cachorro sem raça

Ainda tinha o que fazer.

Então, sem que se soubesse

O porquê da agonia,

Sultão parou de comer

E só a água bebia.

Levei ao veterinário.

Atestou: - Ele está bem!

Está velho, mas nem tanto!...-

(Aí fui eu que chorei...)

Ao levá-lo para casa

No mesmo lugar deitou,

E, a partir daquele dia,

Nem mais a água tomou.

Numa manhã de julho

Minha tia faleceu...

Dormindo, como uma santa

Como era, quando viveu...

Naquele tempo, os velórios

Se faziam dentro, em casa.

Sultão só vivia na rua

Mas nesse dia, entrava...

Deitou-se ao pé do caixão

E dali não levantou.

Ficamos todos com pena

Mas ali ele ficou...

Quieto, muito mansinho,

Chorava, às vezes, baixinho...

E quando o caixão se foi

Voltou pro seu lugarzinho...

Nem água e nem comida;

Deitado estava e ficou

Debaixo da “sua” janela

Onde “ela” o alimentou...

No outro dia, bem cedo,

Eu fui levar-lhe a comida

Qual não foi minha surpresa:

O Sultão havia morrido...

Fiz um buraco na terra

E ali o enterrei

E quando o tempo passou

Ali roseira plantei...

E como floriram rosas...

Rosas em profusão...

Levava-as ao cemitério:

Era a homenagem do cão...

Tanta fidelidade

E tanto agradecimento

Só podem ser de verdade:

Nos cães, não há fingimento...

Quando será que “os humanos”

Os ditos “ser superiores”

Vão passar por estes anos

Sofrendo por outras dores?...

E dizem que “não tem alma,”

E dizem que eles “não amam”...

Como explicar, então,

Que são melhor que os humanos?...

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*

Nota da Autora: Após ler um poema lindo, na Escrivaninha de OKLIMA, resolvi relatar uma história verídica que vi e vivi...

ESPERANÇA
Enviado por ESPERANÇA em 16/06/2009
Reeditado em 16/06/2009
Código do texto: T1651599
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