Final

Versa dentro de mim a conversa que só se ouve sem ouvidos

Leciona o ruim dos dias, e destaca as consoantes tristes.

E por quê?

Depois que os milênios não estiverem mais aqui e o espírito passar por todos os seus funerais

Ainda no cemitério do céu serei

Professor da angústia e exemplo da derrota?

Confiro a ti, outro qualquer que por ser outro faz de mim eu,

Como fosse o poeta absoluto que me criou,

A invenção do meu crime.

Sou o culpado aí de serem as fraquezas quase normais

E do ridículo do choro no final das histórias

Da aberração dos momentos risonhos

E da humilhação pálida dos pedidos,

(E quantas vezes já não me humilhei pedindo

Pelo que for. Beijo ou água ou algum qualquer sim do mundo.

Qualquer sim daqueles que concordam com a gente).

Escreve no caderninho da minha alma a voz de não sei quem.

E todo mundo sabe,

Choro palavras

Que escorrem pelo meu rosto

E mancham o papel

Numa ordem feia de se ver.

E é que de súbito me aparecem

Todos os humanos que já nasceram e que nascerão em toda a história da terra

E mais ainda os não bem formados, natimortos, destruídos pela guerra das células

E me olham e me apontam.

Em alguma hora que foge do meu relógio.

E me ocupam em saber de todas as suas curiosidades e de todos os seus dias e noites

E os conheço por completo um a um.

E ao me saberem... todos eles se amarguram.

De se aperceberem da verdade dos sozinhos

De se aperceberem da falta de vitórias para contar.

Os abortados têm de mim pena

Reis insistem-me como bobo da corte,

As donzelas do além moderno matriculam-se em outras paixões.

E se vão embora todos e sinto de uma só vez o remorso de todas as despedidas possíveis.

Agora é de todos os seres de todos os tempos que tenho saudade.

Saudade de tantas outras saudades

O teatro nervoso de toda a realidade vai perdendo as forças

Ao passo que em mim tudo emudece

E quem eternamente arremessa meu coração para que pulse parece já não mais estar lá.

Adrian Lincoln