POTE DE VIDRO

Tudo o que eu queria,

nas minhas infindáveis horas de desamparo,

era a companhia de um pote de vidro gordo e redondo

cheio de gomas coloridas e açucaradas,

e outro de bolinhas de gude,

coloridas e de todos os tamanhos.

Quando moleque, eu tinha só esses dois sonhos;

eles faziam meu abandono parecer dádiva.

- Por serem doces e coloridos, acho.

Por que será que nunca sonhei com mãos meigas,

com colo me aquecendo

e com histórias me fazendo adormecer?

Por que será que nunca sonhei com lápis apontado,

com uma borracha indestrutível

e com palavras me fazendo a dor me ser?

Por que será que até hoje

tenho só esses dois sonhos

- gomas e bolinhas de gude coloridos -

adormecidos nas prateleiras empoeiradas da paciência

em potes de dores que nunca consigo abrir?

- Por serem gordos e redondos, acho.