BICHO PAPÃO

Levei tempo, mas hoje entendo.

Quando cantavas para eu dormir

A letra não importava, apenas sua voz bastava.

Com você por perto não havia bicho papão

Até a mula-sem-cabeça ficava simpática

Mas longe de ti os fantasmas cresciam,

Viravam gigantes

Assim o tempo passava, freqüente.

A vida se transformava

Sentimentos morriam

Outros brotavam como semente em terra úmida

Coisas importantes deixavam de ser

Viravam apenas coisas insignificantes

Em cada etapa da vida, a reviravolta

No corpo e na mente

Mas você era permanente, firme, imutável.

Na infância foi meu tudo,

Remédio para todos os males.

Quando adolescente, meu refugio.

Quando adulta viraste saudade

Foi então que entendi.

O tempo foi o grande bicho papão.

Enquanto passava, te levava,

E eu, encantada com tua presença,

Nem percebia que você lentamente sumia

Os cabelos grisalhos

A face murcha

Os movimentos lentos

Caiam tão bem em você

Mas era o bicho papão

Que sorrateiramente deixava rastros em ti

E eu nem me tocava que você me deixava.

Fiquei há uma vida distante

Sem nunca ter te falado o quanto tu eras importante.

(à minha saudosa mãe)