TRIBUTO À MARIAM (Melhor entenderá quem leu o livro "A Cidade do Sol")

Ah ! Os olhos de Mariam, quanta dor, quantos sonhos transportados da retina à sua alma encarecida , brutalizada pela perda de quem verdadeiramente amava sem conhecer o verdadeiro sentido do amor feito à prova de seu corpo.

Olha o corpo de Mariam, tão pequeno, fragilizado ao peso de mãos sanguinárias, violentado ao sabor de desejos ímpios, vergado ao peso do desprezo.

Ah, Mariam, Mariam, que atendestes ao mulá de sua aldeia, que orava aos chamados dos muezins e que à sombra dos minaretes de brancas mesquitas descansava o seu penar.

Doce Mariam que na meninice sondavas ao longe as luzes da cidade, sonhando no catre de sua humilde kolba com um mundo novo que para si jamais chegaria a existir.

Mariam, viva Mariam de olhos embotados, mirando os bosques de Herat ao longe e vivendo nos cortantes ventos de Cabul.

Mariam, vida de Marias saboreando sangue de seus próprios lábios e nutrindo-se com as esperanças de uma liberdade tardia.

Sonha Mariam com os filmes que não vistes e com as barbaridades que presenciastes pelas frestas minúsculas de sua burqa.

Bebes Mariam, da água enferrujada de poços cavados por homens sedentos de sangue e insaciados de misericórdia e sentimentos de paz.

Ouve óh Mariam, as detonações dos mísseis da intolerância, comprima o seu peito no grito da dor de ver os semelhantes em desumana, ilícita e corrosiva guerrilha que a nada leva, que não leva a nada.

Choras Mariam, observando pelas frinchas de miserável porta, o mundo lá fora se acabando aos pouco e sem ninguém a chorar por ti.

Mastigas querida Mariam, o pão sovado de ontem e apalpas os lanhos oferecidos a ti sem sacrifício e sem motivo algum.

Eternece-te óh pacífica Mariam, com o choro dos pequenos já órfãos da pátria que não tem identidade de vida mas o atestado de prematuro óbito.

Viaja sofrida Mariam, para além das nuvens até o Nowshak e volta célere para Hindu Kush, esconda-se em seus labirintos e em suas rochas deixe-se esquecer.

Volta agora Mariam para o azul celeste de Cabul e observes os estilhaços de seus reflexos nas vitrinas de pobres lojas abarrotadas de sonhos consumistas que nunca serão teus.

Aprisiona-te amada Mariam, e espera o jugo de iníquo juiz, espera óh pequena mulher o anjo das sombras apagando a tênue luz de seus olhos.

Apaga-te radiante luz afegã e ouça pela última vez a voz inclemente do kalashnikov,apaga-te e ressurja nos braços de Alá. Expias teus poucos pecados e espies a degradação dos homens na fria terra de sua Terra Natal, e perdoa.

Viva então definitivamente no paraíso e enfim cante as cantigas mais doces que uma alma pura pode entoar.

Até um dia, shahid Mariam.

Até um dia Inshallah

Copyright by – Oliveira, Guilhermino Domingues de,

São Paulo, 25 de junho de 2008.

Guilhermino
Enviado por Guilhermino em 30/10/2008
Código do texto: T1256010
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.