POEMINHA KAMIKAZE

Abro a porta da casa e uma brisa vem de encontro a meu corpo
Sonhos e pesadelos ainda povoam a minha pele amanhecida
e posso sentir o teu hálito e a tua barba a roçar minha nuca
Como quem deseja estar e vai partindo
Beijo-te com boca de carícia plena,
Boca de mordida insana, de sangue escorrendo pela roupa branca
E na transparência deste amanhecer bordado de estrelas
Teu riso me engole feito mar revolto
E eu, sem ar, agradeço pela morte plena da tua língua de menino virgem.
Agarro-te em meus braços torpes e longos
Feito primavera de folhas renascidas.
Guardo-te anjo porque é sexta-feira
Faço-te homem porque o sábado lambe a véspera da nossa despedida.
Esqueci de te dar o lenço bordado que guardei em meio a trançados antigos.
Esqueci que a tua cabecinha confusa exalava o cheiro agudo do algodão recolhido.
Agora, recém-acordada antes mesmo de haver dormido,
Pouso inteira sobre o teu corpo e arrebato vestes que não se desmancham.
Toma.
Estou te dando o dia de hoje e todos os outros.
Dando-te as horas e o engraçado dos desencontros.
Nada que te impeça de sorrir, doce e largamente
Como se pudéssemos estar amordaçados pelas nossas realidades.
Abro a porta do quarto e encontro a falta.
A porta da sala me brinda com desassossego,
Mas o perfume da tua alma encravada em mim
Me servirá de sentinela na noite do depois
Por enquanto apenas tua voz me aquieta.
A voz que teus dedos carregam com pressa
Em busca de palavras quase sempre sem sentido.
É sexta-feira de final de semana enternecido.
Dia de rearrumar as malas e crer na verdade que nos fez hesitar,
Mas não hesito.
Vai então pela estrada deste dia
E sem atropelar os canteiros e os papéis
Me ensina a te aprender em uma única lição.
Feito isso, de portas abertas, te vejo chegar
Transmutado em uma manhã desenhada pelo brilho
Que te torna um Deus do Vento
Jogado de encontro aos meus versos ensandecidos.
Iza Calbo
Enviado por Iza Calbo em 17/07/2008
Reeditado em 22/02/2021
Código do texto: T1085607
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