apenas por uma tarde
essa tarde as moitas
me espreitavam
seguiam meus devaneios infantis,
brincavam com a brisa e
sofriam com chuva
essa tarde,
a porta subitamente bateu
e, estrondo despertou o
dragão tatuado numa porcelana
e no fogo que expelia
queimavam minhas quimeras juvenis
lembrava dos vestidos
de marujo, das manginhas apertadas
em volta de braços finos,
como pequenos gravetos
prestes a quebrar
minha fragilidade externa
era ofensiva e paradoxal
perto da linha reta e robusta
de meu olhar
fotografias deixavam-me ainda
mais franzina e rija.
um flash, e lá está
o momento capturado,
ficava empapelado,
amarelado e emoldurado
em algum lugar esquecido da casa
essa tarde, os sinos das igrejas
tocavam rezando em silêncio
pelos mortos
e ecoando pelos vivos.
um pássaro brejeiro pousa na janela
e de soslaio se precipita em olhar
o interior
a liberdade das moitas
a intangibilidade dos ventos
o encantamento da tarde
e, tudo que eu tinha
era um clique,
um momento eternizado numa
retina digital.
Mensagens instantâneas,
afetos surreais
geram amigos, inimigos
e conhecidos.
Só o homem não se reconhece nas sombras,
Só o homem não se antevê no espelho...
Prefere amargar a esperança
em ser tudo aquilo
que gostaria de ser
nem que fosse apenas por uma tarde.