vento

o garoto e sua raposa

sentaram-se

à beira do precipício

seus longos cabelos castanhos esvoaçantes

e seus longos pelos vermelhos brilhantes

brincavam entre si

observados pelo pai sol

este que sempre zelara pelo garoto

e que o presenteara com seu melhor amigo

de estimação

apesar de sua tenra idade este menino já havia

visto o suficiente por décadas

e sentido o suficiente por séculos

havia sido herói com espada sagrada

e vilão de sorriso apodrecido

havia vivido em castelos com suas princesas

havia vivido em pântanos com seus zumbis

havia amado

havia matado

este, obviamente, não era um menino comum

havia visto a destruição de toda vida

e havia visto a gênese da existência

havia ouvido canções que somente seus ouvidos

conheciam

havia viajado por terras tão alienígenas

havia conhecido pessoas que agora

habitavam apenas suas memórias

ainda assim permanecia sentado em seu precipício

observando o crepúsculo com seu companheiro

bem escondida e discreta estava em seu lado uma mochila

era de couro de verdade e pesava de acordo

com as maravilhas que escondia

lá estavam seus livros preferidos

objetos que ocuparam sua mente

em momentos de tormenta

diante da crueza da realidade

alisou sua raposa enquanto sorria

e balançava suas pernas

gostava do vento forte daquele lugar

trazia a sensação de movimento

espantava a estagnação do ócio

desesperado

carregava em sua caminhada a esperança

igualmente guardada naquela bolsa com

livros que para a maioria

provavelmente

não faria diferença

o pai sol sorria rapidamente

antes de dormir

aprovando aquele menino

que em sua mente carregava

o infinito

o menino sorria de volta

sorrindo diante da simplicidade

de tudo aquilo

guardando junto ao peito

sua bolsa de couro velho

tão preciosa

quanto a própria eternidade