AMARGURA
—
E você descobre
Que está coberta,
Que se afogou
Na maré cheia,
E você entende
Que já é passada
A hora certa,
E que tem vivido
Espremida
Entre as horas alheias.
E você percebe
Que sua existência
Pede permissão.
E você se arrasta,
E você se gasta
Por compreensão.
E você se olha,
Não se reconhece,
Não sabe se sobe,
Não sabe se desce.
E você se esquece
De como chegou
Aonde chegou,
Não sabe aonde vai,
Se deve ficar,
Pois nem se dá conta
Do que lhe sobrou.
E você assunta,
Você se pergunta
Se valeu a pena,
- Protagonizou
O seu espetáculo,
Ou tem sido apenas
O receptáculo,
O palco cedido
A um outro show?
E você se sente
Sempre deslocado,
Os olhos vidrados,
Os lábios colados,
Coração pesado,
O ar rarefeito
O peito abafado.
E você se isola,
Pois a solidão
É a única cola,
Uma proteção
Um alívio, um jeito
De cuidar daquilo
Que ainda restou.
E você se vê
Em paz, finalmente,
A vida entre os dentes,
Os anos no fim
A vida no fim,
Lembranças em fileiras
Sobre as prateleiras
Empoeiradas
Catalogadas , etiquetadas:
“Aqui jaz o escopo
De uma vida inteira.”