Embebedando formigas
Sentei em meu lugar cativo
no bar do matuto Raimundo
e formigas subiram na mesa,
atraídas pelas gotas de alcatrão com mel que derrubei sem querer.
A fila indiana logo ficou incrédula
diante de tanta sorte
e as minúsculas patas ágeis
pararam de correr para tomar uma comigo.
Depois de uns goles
a pequena tropa embriagada
ficou imóvel para poder
refletir sobre a vida com mais afinco
e te juro que faltou somente um cigarro
na boca de cada integrante
para a cena ficar inexplicavelmente melancólica e romântica.
Me uni a elas nessa obsessão inútil por pensar demais na fragilidade da existência
e dos sentimentos.
É melhor do que juntar-se
aos outros bebuns com suas análises sobre economia nacional e a guerra na Europa baseadas em fofocas do Telegram.
Me uni a elas.
Homem e formigas ligados pela silenciosa alucinação e por uma súbita,
mas comum crise existencial.
De repente, escuto Raimundo perguntar:
" Oxe, tai rindequê aí sozin? "
" Num tô sozinho não, Raimundo véio."