Deveres de um homem

O homem deveria se basear no passado, nas suas obras, no seu baú de tralhas de sótão,

nos seus manuscritos, seus livros antigos, fatos, perdas e danos,

nas feridas, fracassos, deslizes, risos contidos e choros incontidos,

beijos ganhos e negados, abraços que não teve, netos e sobrinhos,

família que cresceu e que cada um foi pro seu lado,

no futuro da velhice, nos avós e bisavós,

repensar o presente,

nos crimes cometidos,

palavras ferinas,

ódios guardados,

amores quebrados,

fortuna obtida e ao vento largada

seu tempo de guri, seus colegas de escola,

a bola a rolar no campinho de barro,

a flor ofertada pra professora encabulada,

o zero em matemática e a vergonha de ir ao quadro negro,

o primeiro amor, a primeira namorada, o amasso escondido,

a primeira transa e as milhares de artes,

as birras, as surras, as superproteções,

as manhas e manhãs, o pão quentinho e o cheirinho de café,

o mato molhado e o aroma do campo, as flores e os grilos,

os sapos e os pássaros,

o mugir do boi, o galope do peão,

as brincadeiras de ruas, a doce liberdade

as primeiras letras, os gibis, as ilusões,

o primeiro sexo, a visita constante ao banheiro,

a adolescência, a cama molhada, o lençol

os retratos nos cômodos, a geladeira vazia,

a mesa farta, e a família não reunida,

o êxodo dos amigos, as incertezas,

a fé e o medo,

a filosofia e o tédio,

a poesia e o vazio,

O homem deveria repensar seus pensamentos,

Seus preconceitos e ojerizas,

Seus valores e manias,

Suas farras e suas taras,

Sua saúde e doenças,

Seu orgulho imensurável,

Sua ânsia indomável,

Seu querer incontrolável,

Mas o homem senta,

Sentado permanece olhando o céu,

Pega mecanicamente sua ferramenta,

E cava, cava, cava, cava, em busca de água,

Mas nunca que regou uma flor.

Carlinhos Real
Enviado por Carlinhos Real em 28/09/2018
Reeditado em 28/09/2018
Código do texto: T6462488
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