O BANDEIRANTE
Se o Bandeirante quisesse poderia ressuscitar,
seguir por este rumo,
direto, sobre os edifícios,
e acorrentar índios,
até chegar ao rico estado de Goiás.
Mas ele permanece aqui,
enterrado sob este totem de concreto
da Praça da Sé, na cidade de São Paulo.
Ninguém sabe do seu cadáver
porque tudo era barro no seu tempo.
Se o Bandeirante quisesse poderia ressuscitar
seguir por esta outra rota,
direto, sobre os edifícios,
e acorrentar índios nus,
ver o rastro das mulheres brancas
desaparecidas
(anunciaram nos postes de luz
o desespero das famílias),
até chegar ao rico estado de Mato Grosso.
No entanto, ele permanece aqui,
enterrado em frente à Catedral da Sé,
de majestade esplêndida e carregada.
Se o Bandeirantes quisesse poderia ressuscitar,
seguir por aqui,
direto, sobre os edifícios, e pegar índios nus,
cheirar mulheres desaparecidas;
e cortar as cabeças das travestis da cidade
(retalhados seriam em nome da Madre de Deus
e dos tucanos da floresta),
até chegar ao rico estado de Minas Gerais
Mas o Bandeirantes permanece granizado aqui,
sob o fundo do marco zero de São Paulo,
sendo que seus ossos
formam uma estrela de cerâmica
para todos os lados.
Se o Bandeirantes quisesse poderia ressuscitar;
e seguir nesta direção
direto, sobre os edifícios,
e acorrentar índios nus, mulheres brancas,
travestis
e tudo o mais que surgir para o abate,
(que o abate é o sentido do seu barro
mesmo ele sendo um cavaleiro da casa real)
até chegar ao rico estado do Rio de Janeiro
ou ao riquíssimo estado do Paraná
com suas Araucárias douradas,
mas os que duvidam estão certos;
o Bandeirantes quer se fixar aqui,
e poupa o disparo de seu mosquete
para uma ocasião melhor.
Se o Bandeirantes quisesse poderia ressuscitar;
seguir este outro sentido
direto, sobre os edifícios,
e trazer índios nus, mulheres brancas, travestis
até o nobre porto de Santos.
Porém, o Bandeirante permanece aqui,
enterrado no centro de São Paulo,
porque ele espera os novos guarda-chuvas.
Os novos guarda chuvas
que voam na praça da Sé
em modelos dobráveis e automáticos
(O Bandeirante é apenas um homem tosco
do século XVII).
Guarda- chuvas pretos, roxos, vermelhos,
amarelos, celestes;
abrem-se sobre nossas cabeças
e há outros mais deslumbrantes,
guarda-chuvas rosas salpicados de pelotas brancas.
O Bandeirantes nunca imaginara a sua cidade
- sempre isolada de todos -
no meio da chuva
e assim tão bonita.
DO LIVRO: "A CIDADE POSSÍVEL"