No final das contas
Se a morte hoje
me alcançar
antes do pôr-do-sol,
e-mails não respondidos
problemas não resolvidos
papéis não assinados
telefonemas não dados
outros responderão resolverão assinarão darão
por mim.
Ou não.
E se não,
pouca diferença fará
(ou nenhuma)
no final das contas.
Sobre os parcos despojos
de uma vida sem ambição,
outros se deitarão,
depois de queimarem
livros
fotos
cartas
diários
– resíduos/vestígios
do abismo
profundo
que há anos
eu levo
dentro de mim.
Se a morte hoje
me alcançar,
no entanto,
o que de mim ficará
de mais importante (e que para mim é o que conta,
no final das contas)
escapa
totalmente
à contabilidade estreita
de um mero contador de coisas:
ficarão as vezes
que abracei meus filhos e disse “Papai ama vocês”,
que fui paciente e compreensivo com quem me atacava,
que ajudei sem esperar nada em troca,
que me calei para não ofender ou magoar,
que dei atenção e importância ao problema do outro,
que estendi minha mão para socorrer, amparar...
Se a morte hoje
me alcançar,
sei que poderia ter ficado muito mais de mim
se eu tivesse feito mais...
se eu tivesse sido mais...
como filho pai irmão esposo amigo.
Mas este sou eu
agora
de braços
abertos,
nu,
com o vinho
pela
metade.
E é isto que ficará,
se a morte hoje me pegar,
no final das contas.