Ipê-amarelo
O guard rail cinzento está à esquerda. Posso tocá-lo com o braço se abrir o vidro do carro. O acúmulo de veículos arrasta-se em longos quilômetros. As lanternas, que identificam o acionamento do freio, estão acesas quase constantemente na traseira dos milhares de carros. A situação é caótica, opressora e impede a livre circulação. Sentimentos nocivos para o organismo tentam dominar o modo de enxergar a coisas. Raiva, revolta. Tensão e desamparo.
Distingo a pausa que o trânsito congestionado proporciona nesse ritmo enlouquecido de vida. Posso aproximar de mim mesmo nesse instante urbano oportuno. Tenho minha própria companhia! Interrompo a sinfonia que a rádio transmite. Respiro e abstraio. Aciono as boas memórias e vivências. Transporto à tona minhas esperanças. Lembro de meus diletos amigos.
Desço devagar o vidro do carro. Uma brisa tranquilizadora apalpa meu rosto tenso. Desloco a alavanca para cima e impulsiono o banco do carro um pouco mais para trás. Deixo a metade de meu braço dependurado para fora da janela. Principio a olhar distraído para a lateral da pista.
Percebo. É início da primavera. O ipê-amarelo, sob a poluição da megalópole, já iniciou seu viçoso florescimento à beira da autopista.