TECENDO A MANHÃ
“Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.”
João Cabral de Melo Neto
Entre as crianças me sento.
Juntos costuramos a manhã do amanhã.
Como flor de vida, um sol bordamos.
A paz emendamos em longos pedaços,
envolvemos de abraços seu ágil pescoço.
Ah, se o amanhã soubesse
como tecemos!
Viraria seu ágil pescoço e espiaria esta tarde.
Anteciparia seu sorriso forte,
brincaria de roda na estrada.
Mas como o amanhã não sabe
se demora.
Seu vestido de paz a traça devora.
As crianças se tornam sérios senhores
e eu envelheço sem força tecente nos dedos.
É inútil tentarmos lembrar da manhã costurada!
Por culpa do vento que nos roubou a alegria
e a poeira dos dias que apaga a memória.
Ah, se o amanhã soubesse como temos esperança!
Viria correndo provar seu vestido de abraços
antes que a gente o esqueça.
Ah, se o amanhã soubesse
como tecem as crianças!