POEMA PACÍFICO
Que não te falte o que a nós tanto sobra-oxigênio-,
(Oh, pequeno homem num país em guerra),
Quando te sentires sufocado pela poeira e pela fumaça,
Por veres diante de ti o edifício se contorcer,
Vergar, morrer...
E tu, na opaca visão que te resta,
Não enxergas as mãos que te estende a natureza,
Nem escutas que chamam pelo teu nome
Já que em vão rezas pelo deus errado...
Que te sobre um pouco do que não nos tem faltado-quase paz-,
(Oh, pequeno combatente em batalha quase perdida),
Quando necessitares repousar teu corpo
E adormecer sorrindo aos sonhos de infância.
Por teres visto diante de ti
Verdes vidas em pomares coléricos sendo colhidas,
E tu, que da esquiva ave queres o vôo,
Não enxergas os anjos que te entrega o céu,
Nem levitas por sobre os peixes,
Já que, em vão, seduzido fostes pelo discurso da máquina.
O que não nos falta te pertença agora-dúvidas-,
(Oh, pequeno viajante em imenso universo),
Quando tábuas e leis se derramarem sobre ti
Como estranha enxurrada celeste,
Obrigando-te a te curvares à profecias e invisíveis mundos.
E tu, que tens a fé como perpétuo motor,
Não enxergas que templos são destruidos,
E na Terra de agora apólices eternas só oferecem malefícios,
E tu, ofegante, emprestaste tua crença à pastores sem rumo.
O que falta faz e nem tanto outro sobra-alimento-,
(Oh, pequeno lavrador em terra triste e árida),
Tenhas quando ouvires ao longe, no leito,
O filho que nasce e devolve à vida
O banquete da criação eterna da carne em si...
E tu, que sem forças ergues do poço o balde,
Seja benvindo sempre à ceia de todos,
Mesmo que fartas mesas retirem de outras
O pão que te consagra e te fortalece,
Para que tenhas o que servir
Àqueles que esperam de ti a plural seiva da vida...
O que nunca nos faltou e nos faltará nunca-esperança-,
(Oh, pequeno coração que tange eterno e decidido),
A ti seja um rio que cessa nunca de ir ao mar,
E te seja oceanos que à boa pesca sempre te convidam,
Para que em meio à tempestades varie o rumo e nunca a rota
De teu barco humano, oh, remador...
E teu legado possa oferecer aos que virão
A estrela em que tu te transformastes,
Para assim guiar os novos argonautas
Em labirintos de desvarios tantos,
E te encontre, no final dos tempos,
A face clara do conhecimento engendrado...
E então herdarás a sabedoria da límpida água que a sede sacia
Para que cantes a melodia àqueles à beira do mundo,
E a fusão de todas as metafísicas reinará
Dentro e fora dos sonhos de toda humana realidade.
Preto Moreno