Como não mais viver, sem precisar morrer?
Aprecio demais a vida e toda sua majestosidade.
Valorizo cada nova manhã cinzenta e congelada.
Admiro a natureza e todo seu fulgor vital.
Mas sou inutilizável e sem cor.
Não é tristeza, não é dor.
Não. Porque tudo está indo bem demais.
É apenas um gancho gelado na boca do estômago.
Puxando na direção do não-real.
Me passe uma dose de sono eterno.
Não é a vida o que eu quero deixar.
É uma viagem só de ida.
Onde jamais poderei voltar.
Como não mais viver, sem precisar morrer?
O que posso fazer para continuar?
Me sinto sem sentidos.
Sem escolhas.
Sem direção.
Aprecio o vento, mas não sinto minha pele.
Aprecio o som das ondas, mas não ouço meu coração palpitar.
Aprecio cada novo raio de sol, mas não enxergo o que há do outro lado do espelho.
Não o entendo, não o decifro.
Tão enigmático e sombrio.
Sua alma vai se desfragmentar.
Um vazio devastador, uma overdose de solidão.
E uma vontade imensa.
Não de gritar.
Mas de fechar os olhos na sombra mais profunda.
E adormecer para nunca mais acordar.
Deixe-me sonhar adoecido, deixe a última lembrança se esgotar.
Até que o canto dos pássaros, no jardim do Éden perdido.
Venham com a chuva me ressucitar.
Como não mais viver, sem precisar morrer?
Acho que não há uma maneira de se realizar.
Porque vivo eu nunca estive.
E morto nunca vou estar.
Para todas as almas que vagam por esse mundo.