Um Feliz Instante de Paz
Vestes de etérea seda
cobrem afetuosamente imagens raras e furtivas.
Rajada de brisa matinal invade,
despreocupada, o quadrilátero da janela.
O olhar ganha asas
e ergue voo para o horizonte,
e perde-se em impessoalidade.
Integração como o infinito,
perde o vínculo com a medida de tempo,
liberta-se do mundo.
Nenhum encontro marcado,
o descompromisso com o destino,
nenhuma pretensão.
Nem bom e nem ruim,
apenas a vida que denuncia a existência,
trilhas da imaginação.
Não existem asas,
mas parte de si parece
estar empreendendo voo.
O sangue cansado da velha rotina
clama por oxigênio
proveniente de outros ares.
O sangue já não está nas veias,
já não é vermelho,
é fluxo da alma
que se alimenta do todo.
Desaparece o corpo,
mas continua existindo.
Pensando ter perdido a razão fica assustado,
para logo depois descobri-la viva,
porém mais leve e colorida,
brincando de criar fantasias.
Cansado da própria inflexibilidade,
sente o sabor do movimento,
tenta armistício com o destino.
Já não empreende fuga,
mas tenta encontrar um acordo
onde sobreviver conviva com existir.
A alma tenta não rejeitar o corpo,
tenta não se rebelar contra o destino,
tenta ser feliz.
E o velho coração ressurge
trazendo lembranças de passado
que não sabia se existiam de fato.
Vê-se em essência
em velhas fotografias mentais
de personalidades que já não existem mais.
E parte de si fica consolada,
enquanto outra fica intrigada,
mesclando-se aconchego e desconforto.
O tempo está perdido,
mas em algum lugar
existe uma manhã sonhada,
com sua névoa fresca,
um sol que não tem pressa de acordar,
um orvalho que tinge a vegetação,
uma grata promessa,
Algumas rarefeitas nuvens brancas
e um azul que se transmuta
em diversas matizes.
Denso silêncio lentamente quebrado
por um coro crescente
do canto de despertar dos pássaros.
O plano da visão é de ser alado.
O ser está lá no alto
a observar o seu velho ninho terrestre.
A realidade apenas descansa,
mas logo haverá de chamar.
E tenta preservar o momento,
tenta, com alguma angústia, evitar a sua perda,
sentindo alguma tristeza por ter que voltar.
Tenta, de alguma forma, protelar .
Percebe o reaparecer
do tempo metódico e cartesiano.
Organiza em urgência uma prece
pedindo ao Divino
a possibilidade de aguardar mais um pouco,
Para logo sentir a inviabilidade do seu pleito
e, por si só, faz pirraça,
finge não ver o relógio.
Alia-se à preguiça
para vingar-se da massacrante rotina
que haveria de ter que esperá-lo,
Permitindo-se, assim,
uma pequena ilusão de onipotência de seu ego.
Fingindo-se de deus
para depois, humilde e conformado,
despertar daquele momento,
não sabendo se existiu ou não.
Erguendo-se ao chamado da cidade.
Estando ali,
mas não conseguindo estar por inteiro,
pois que parte de si
tem a ilusão de ser pássaro
e vive em voo vagando por aí.