O Carvalho de Deus
Um dia o Criador olhou a sua criação,
e deixou sua visão percorrer
os vastos prados do universo.
E por ser seu hábito criar,
gerou de suas mãos sementes.
E as sementes, tomando vida,
logo despertaram a perguntar:
“O que somos? O que devemos ser?”
“São sementes, sejam o que quiserem ser.”
E estas, espalhadas, começaram a frutificar.
Muitos foram os solos que as receberam.
E eis que num lugar árido,
onde somente poderiam surgir cactos,
uma das sementes rompe o chão
apresentando ramos de um carvalho.
Logo vendo aquilo, o grande cultivador
dirigiu sua palavra àquela plantinha:
“Podendo ser, na existência eterna,
várias sementes,
não seria melhor, neste momento,
apenas ser um cacto?”
E, impetuoso, o jovem vegetal lhe respondeu:
“É que desejo fazer sombra aos exaustos
que vi passar por este deserto.”
E com ponderação paterna
o velho jardineiro advertiu:
“Está a querer ir contra a corrente da vida.
Este deserto é escasso em água,
mesmo para tão nobre empreitada.”
Mas, persistente, o jovem carvalho então pediu:
“Pai Criador, sei que tudo podes...
Ensina o segredo de encontrar a água,
pois que se vivo é para doar
o aconchego de minhas ramagens.”
E o coração divino, tocado por ver ali
reflexo do seu amor,
por ver tamanha sinceridade,
próxima à ingenuidade,
consentiu, e ali revelou
o segredo das nascentes das águas.
Não se contendo de felicidade,
o vegetal se obstinou em desenvolve raízes,
na busca de trazer da profundeza
do solo o precioso líquido.
E vendo tamanho esforço,
voltou o Criador a lhe falar, afetivo:
“Esta é minha verdade; é límpida e pura,
porém difícil de encontrar.”
Mas o agora já vigoroso carvalho,
era todo realização.
Já fazia as desejadas sombras,
e nas manhãs umedecia o solo desértico
com a água buscada nas profundezas.
Grande foi sua luta e talvez
por isso muito cresceu,
a ponto de seu grande corpo desafiar
o caminho livre dos ventos.
Foi não reconhecendo os próprios limites
que se colocou a enfrentá-los.
Imponente e despreocupado de si,
muitas vezes esteve próximo de tombar,
mas por desprezar a própria fraqueza muito lutou.
Até que um dia caiu.
Vendo isto, novamente o zeloso cultivador
voltou a ele e lhe disse:
“Semente que já nasceu, escolhe renascer,
e o que quiser ser, será.”
E a intrépida semente logo respondeu:
“Pai, não desejo, em meu viver,
algo senão um carvalho”.
E o sábio Criador, tentando algo ensinar
àquele filho teimoso, perguntou:
“Por que não nascer desta vez como bambu?
Afinal, ele se curva aos ventos,
e com isso sofre menos.”
E a obstinada semente
despojada de corpo lhe respondeu:
“Sem dúvida, seria menos doloroso,
mas como poderia proteger aqueles
que buscam a proteção de meus ramos?”
Mais a mais, se o bambu evita a dor,
ele, para tanto, tem que manter
sua flexibilidade,
tem que manter-se vazio por dentro,
enquanto o carvalho,
embora sofra mais com as intempéries,
desenvolve um denso cerne,
onde parece nascer um coração.”
E o Pai, vendo ali, novamente,
o reflexo do seu amor,
deixou que aquela semente seguisse
o destino que escolheu.
E por contínuas vezes
ela voltou a ser carvalho.
A cada existência produziu as sombras frescas
que tanto desejou doar,
e destas acabaram por se beneficiar
outras tantas sementes
que passaram a acompanhá-la,
nascendo como flores, formando um jardim.
E o tempo passou, e a semente
que insistia em ser carvalho foi se exaurindo,
cansada da luta com as intempéries,
não suportando mais a dor.
E em desespero rogou pela presença do Pai.
Percebendo-O disse:
“Não suporto mais ser carvalho.”
Amargo e ingrato completou:
“Melhor teria feito
sendo bambu por muitas vezes.”
E então o Criador lhe sorriu, benigno, e disse:
“Já não pode mais ser bambu,
pois lhe adotei como o meu carvalho.
Não me viu, mas estive com você
em cada tempestade.
Vi o seu gozo em proteger
as flores com suas ramagens,
reconheci em você o amor secreto
que trago em mim.
É sobre você que fiz morada
para criar novos jardins.
Entretanto, não mais fará parte
desta terra selvática.
Você será semente transplantada
para o meu jardim.”
E a semente, que havia aprendido a força,
Sentia-se agora envergonhada
diante de tamanha misericórdia,
Estivera tão concentrada em ser grande,
que não percebera que acima
do seu amor havia o do Pai.
Talvez na sua dedicação em crescer,
esquecera que também ela era filha.
Pacificada, passiva, deixou-se conduzir
para o jardim escolhido
pelo grande cultivador.
E o Pai mais uma vez lhe falou:
“De hoje em diante aqui é sua morada,
ficará aqui eternamente.
Em torno de você criarei novos jardins.
Nascerá novamente toda vez
que um deserto avançar.
Sobre ele estarei presente por seu meio,
e hão de me ver através
de sua força e mansidão.
E dia haverá em que o deserto
terá que exaurir.
E o jardim, então, avançará sobre ele
que, cansado de sua aridez,
finalmente sentirá alegria
em fazer parte do jardim.
E este será um mágico instante,
pois surgirá em algum ponto do universo
uma nova fonte de luz,
um ponto de luz, semente de criação,
com flores a se converter em estrelas,
com as grandes árvores
transformando-se em sóis.
Todos brilhando, refletindo uma única luz.
E então o tempo terá, há muito, passado,
E já os filhos também serão cultivadores,
a cuidar dos novos jardins no amanhã”.