TRANSPARÊNCIA

Ficar transparente é uma delícia.

É como se fossemos rima toante de Cecília,

Nas aventuras da Inconfidência.

Ninguém vê a gente

E a gente pode ler Manuel,

O Bandeira, sem cerimônias.

Se quiser pode-se lê-lo nu,

Na estrela da vida inteira.

É bom beliscar as pessoas

E vê-las desesperadas

Querendo saber quem é que foi,

E ficar imaginando o que é que Cora,

A Coralina, diria disso tudo;

Ela, Aninha, suas pedras e seus doces.

Pode-se ainda roubar o pão de queijo

Do prato do patrão,

Enquanto se lê Fernando,

O Pessoa, no silêncio da noite que se apaga

Para que reinem lua, estrelas e poesias,

Enquanto se finge ser poeta.

Pode-se mudar os quadros de lugar,

Nas paredes e nas pessoas

E se sentir duendes.

Mas Lobato, o Monteiro que andou

Inventando estórias, diria que foi o saci.

As pessoas visíveis, não sabem

Nem de duendes, nem de sacis.

Mas não há fórmula pra se ficar transparente.

Fica-se assim, transparente, muitas vezes,

Durante a vida,

De uma forma espontânea.

Sem querer ficar.

Mas ser transparente, pode não ser uma coisa boa.

Conheço meninos que ninguém os vê.

Deixam-nos com fome,

Sem tomar banho,

Com piolho no cabelo,

Com a pele arrepiada de frio,

Com as cabeças sob bombas

De uma guerra imbecil,

Sem nenhum livro

Pra que possam aprender

As várias maneiras de tirar vantagens

De ser transparente.

As várias maneiras

De ser poesia.