GA(li)ZA

GA ZA

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... Da memória, resta-me só o esquecimento.

Expulsaram-nos das nossas casas, de uns territórios por outros ocupados, condenaram-nos à terra de ninguém.

Passamos frio, e fome. Tivemos sede.

Arrancaram-nos dos nossos lares, fizeram estranho o mais querido, afastando-nos também entre nós: cada qual para si, entre os muros das ideias, das crenças, mas nunca olhamos pela janela e nos reconhecemos torre com torre, gueto contra gueto.

Presos sem celas, sem tecto, na ratoeira sem espaço, excluídos da civilização, desamparados, vimos sem dar crédito como olhadas de milhões caíam sobre nós, com vozes múltiplas de escândalo acompanhadas, mas sem mão alguma para nos tender.

Fomos como animais acurralados. Mas sofremos como humanos:

Jogavam a pontapés com a sua cabeça... Obrigaram-no a beber o seu próprio sangue...

Esteve oito dias sem voz...

Sem pele, sem cabelo, abrasada, pura chaga viva, como um fantasma ou esqueleto; disse “vivo para testemunhar”:

Quisemos que a terra, a terra nenhuma se abrisse debaixo dos nossos pés; suplicamos no deserto, ansiamos que os céus, os céus de todos se desmoronassem sobre as nossas cabeças.

Imploramos um lugar onde desaparecer, em que pudéssemos enterrar as nossas lembranças. Deram-nos um deserto estranho, sem limites, por onde vaguear, sem rumo, descalços e alheios, para sempre desterrados.

Nem a própria cova possuiremos.

No entanto, cavalos de Tróia sob a forma de caixote, tomamos as vossas casas, nós os seres mais esquecidos, estamos desde já de corpo presente perante vós, como ferro candente nas vossas consciências, como duendes nas ondas...