Péricles Bonfim de Santana, Perinho – apelido dado por seus pais e avós – agora conhecido como Perinho Santana, é um homem simples, de pouca conversa, olhar cabisbaixo, gestos comedidos. Mora sozinho em uma casa-livro, em Plataforma, bairro do subúrbio ferroviário de Salvador. Ele é divorciado, pai de Mateus Santana, 20 anos, que vive com a mãe, em Brotas. O interior da casinha de três cômodos onde ele vive tem poesias em todas as paredes, na sala – que também serve de cozinha -, e nos dois quartos.
Em 1999, aos 40 anos de idade, começou a escrever, motivado pela curiosidade que as letras lhe causaram quando, aos 8 anos, começou a alfabetização na igreja evangélica que os pais freqüentavam. Sua inspiração foi a Bíblia, “a palavra de Deus”, e a própria palavra “Deus” que, segundo acredita, é a única palavra positiva escrita com a letra “d”. “As demais são negativas, mundanas”, diz. Ao associar letra com letra, foi se habituando a sentir o som de cada palavra, criando uma poesia simples e objetiva.
Seus poemas falam de vida, de paz, de natureza, sentimentos e saudades. Sua obra grava nos muros a recordação de amigos que se foram do bairro e dos que morreram. Eterniza a nostalgia, registra a história viva do lugar onde vive desde criança. É uma relação umbilical que o poeta tem com a Mata Atlântica e com o sentimento de pertencimento a Plataforma e à sua gente.
Esta mesma gente querida apaga as páginas do seu livro-muro, destrói os escritos de Perinho. Muitas das ‘páginas’ já foram apagadas ou foram pichadas, outras foram destruídas pelo tempo. Os muros que ele costuma usar como páginas para suas palavras pertencem a uma empresa de transporte ferroviário. “O muro da viação férrea parece que foi feito de páginas de livros, todas em branco. Algumas estavam sujas e depredadas. Eu pinto o muro com tinta branca, escrevo meus poemas e faço desenhos para ilustrar, dou vida e beleza ao que antes era só feiúra”.
A mania de pintor é mais recente. “Eu escrevia os poemas e pagava para alguém ‘pintar’ nos muros, sob minha supervisão”. Depois ele resolveu realizar todo o trabalho, “para economizar e porque a pintura também me atraiu”, confessa. Hoje, com 46 anos de idade, Perinho Santana diz já ter escrito mais de 300 páginas do seu livro-muro. Ele já tentou publicar um livro convencional, mas não conseguiu patrocínio para seu projeto. “Meus poemas são lidos por quem quiser, pois está acessível, gratuitamente, pelo bairro inteiro”, se orgulha.
Perinho se ressente de não ter registrado todos os seus escritos em papel. “Agora não tenho como resgatar o que foi destruído nos muros”, lamenta. Há dois anos ele passou a escrever num caderninho as mesmas poesias que ‘pinta’ nas páginas-muros do bairro, “pois o restante se perdeu. Ficou gravado, apenas, nos olhos de quem viu e leu”.
Seu poema predileto não foge ao tema central de sua escrita:
Natureza-mãe
É um grande espetáculo
Trovões e estrondos para todos os lados
Relâmpagos deixando a noite em claro
Chuvas grossas varrendo o chão
O céu negro dizendo que precisa chorar
O mar bravo espumando a sua ira
É um grande espetáculo
E nem por isso o homem sabe prezar a vida.