Mãe
Não fique sem elogiar sua mãe, saiba que neste momento você poderá contar com os Cadernos Negros.
Uma Homenagem do Quilombhoje Literatura.
Mãe, quantas vezes você me viu derramar lágrimas, me sentir sozinha, e, quando eu olhava para onde só meus sonhos podiam alcançar, você me pegava no colo e com sua fala suave me demonstrava carinho e afeto.
Saiba que és meu tudo, minha estrela guia, meu ancoradouro, a pessoa que me aceita do jeito que sou, que me dá amor sem pensar em recompensa. Sou muito grata por tudo que fez por mim.
Muito obrigada por esse amor incondicional, pelo seu afago que carrego comigo e sua ternura insubstituível.
Pois durante todo esse tempo sempre esteve do meu lado, me ensinando a ter fé e mostrando o caminho certo das coisas. Já passei por muitos tropeços e experiências que a vida me trouxe, e você sempre me falou sobre a nossa cultura afro, a importância de nossa identidade, de como nos valorizar, e hoje eu sei o que significa.
Você é minha jóia rara, a pessoa que fez com que eu fosse tudo o que sou, que me deu tudo o que tenho, que é como o sol, pois mesmo que o dia esteja nublado eu sei que ele existe e está ali.
Eu te amo muito, e sei que esse sentimento nunca irá acabar, eu daria o mundo a você se preciso. E como minha mais doce homenagem, lhe envio um poema.
Sua filha
O cuidado da minha poesia
aprendi foi de mãe
mulher de pôr reparo nas coisas
e de assuntar a vida.
A brandura de minha fala
na violência dos meus ditos
ganhei de mãe
mulher prenhe de dizeres
fecundados na boca do mundo.
Foi de mãe todo o meu tesouro,
veio dela todo o meu ganho,
mulher sapiência, yabá,
do fogo tirava água
do pranto criava consolo.
Foi de mãe esse meio riso
dado para esconder
alegria inteira
e essa fé desconfiada,
pois, quando se anda descalço
cada dedo olha a estrada.
Foi mãe que me descegou
para os cantos milagreiros da vida,
apontando-me o fogo disfarçado
em cinzas e a agulha do
tempo movendo no palheiro.
Foi mãe que me fez sentir
as flores amassadas
debaixo das pedras
os corpos vazios
rente às calçadas
e me ensinou, insisto, foi ela
a fazer da palavra
artifício
arte e ofício
do meu canto
da minha fala.
Conceição Evaristo
Cadernos Negros Três Décadas. São Paulo: Quilombhoje, 2008
DE MÃE