MULHERES SEM NOME
No meio das praças
E no meio das ruas
Há mulheres sem nome
E há mulheres tão nuas.
Há mulheres sem raça
Há mulheres sem graça
E há as que têm fome.
É uma fome latente
Fome de serem vistas
E fome de aceitação.
É fome que a gente
Que não é das pistas
Não reconhece, não!
São tantas as Marias
As Marias das Graças,
Que clamam atenção.
Que desnudam a alma
E paciência e calma
Anunciam a intenção.
Umas dizem em voz alta:
“Sou esquecida de mim.”
“Sou como mulher autista,
que quer se esconder.”
“Que tem medo de viver
E não ser bem vista.”
“Nem sei o que faz falta:
Eu ser reconhecida?
Ou partir dessa vida
Sem qualquer amizade
E alguma reciprocidade
Me torne embevecida?”
Outras declaram amor
À própria existência
Já que a vida lhes negou
Um pedido de clemência.
Já não sentem prazer
E nem vivem para si.
Sem o pouco de razão
Labutam pelo seu pão
Que garanta o existir.
Há as que ainda insistem
Tentar querer ser alguém,
Que lutam, não desistem
Buscando o próprio bem.
Umas são fortes; as fracas
Quase não podem resistir.
Levam consigo desgraças
Dessa vida e o seu devir.
São mulheres pelas ruas,
Pelos trens ou lotação.
Anônimas e tanto suas,
Que lhes falta comunhão.
Já acordam assustadas
Têm um corpo pra zelar.
Sem nome são resgatadas
Na faina de trabalhar.
Sem nome, quase sem rosto
Ninguém as enxerga ou vê.
Olham com cara de mosto:
De que adianta perceber?
É tão triste viver assim
Sem sequer ser notada
Muitas tão fúteis, enfim:
Com a vida desbotada.
Há um talento na dor,
Que dribla a solidão.
Há esperança no amor,
Que ponteia o coração.
Mas tal desenho cruel
Não se acaba nunca:
Nelas amarga o fel
De uma vida adunca.
É como se nesta cova
Da desilusão e da dor.
A vida fizesse troça
De seu anseio de amor.
Quem as vê? Põe atenção?
Ou lhes emite um olhar?
Quem lhes flecha o coração
Com uma chance de amar?
Mulheres quase invisíveis,
Do mundo desconhecidas.
Às vezes um tanto risíveis
No ritmo das próprias vidas.
O ridículo que não se acaba,
Lhes impõem essa pecha.
Confiná-las em uma taba
É o que querem sem brecha.
Mas elas são heroínas,
Parceiras do meu Brasil.
Impedem suas ruínas,
Vencem o mundo hostil.
Resistem, quanto podem
Então, merecem um rosto
E mesmo que incomodem
Um nome que faça gosto.