Diálogo com a poesia "Faz anos navego o incerto" de Caio Fernando Abreu
Caio, tal como você, faz anos navego o incerto ou o incerto navega comigo desde que nasci.
Não encontrei, de igual forma, roteiros nem portos. Penso até que não há nem uma coisa nem outra no caso da minha navegação.
Meus mares não foram só de enganos, houve muitas tempestades, naufrágios e me apeguei a uma tábua para aportar numa ilha incerta
Medo dos rochedos houve muito, tive crises de pânico, ansiedade e depressão por causa deles e fui arrebentado ao ser atirado contra as rochas, tive até que remendar o peito por causa disso e ainda tenho suor frio quando o medo me invade.
Calmarias esteve um pouco do meu lado, porém, temo que sejam falsas calmarias como você bem expressou, meu amigo poeta.
Somos amigos e com vida semelhantes em várias coisas, também sou da comunidade, como você era e partiu para virar estrelas com purpurina.
No entanto, diferente de você, meu amigo, eu queria algo além de olhar estrelas como quem nada sabe
Não tive nada do que quis e aqui estou como você a olhar estrelas, astros, planetas, cometas e o céu como todo.
Sinto, Caio, que de fato não sei de nada, não como o antigo filósofo, e isso é mais do que como quem nada sabe.
Tenho agora, Fernando, a sorte de trocar palavras, um toque, um sinal, uma coisa qualquer com não só o surdo, mas com talvez o cego camarote ao lado ou em frente a mim
O navio fantasma, Abreu, me dá pavor também, pois como todo fantasma não sei sua forma.
Esse navio, poeta, está sempre perdido sobre o tombadilho, sobre a vida, sobre os julgamentos, sobre as águas, sobre o que não se pode mudar.
Os vultos, os vultos, amigo, são muito embaçados e, como você, dou-lhes a face e a forma e eles continuam mesmo assim embaçados.
A lua cheia, Caio, ela continua muito bonita, continua encantando os poetas mais que aos astrônomos, pois não queria que ela diminuísse a cada dia, quero vê-la assim linda sempre.
Sei, Fernando, sei muito bem que não há respostas, pois estudei filosofia, para saber que o que há em demasia são perguntas.
No entanto, posso dizer, se sou muito afortunado, tenho um amigo onde posso jogar o coração como uma âncora. Lamento seu suspiro, Abreu, pois posso dizer que esse foi o maior presente que tive da vida, depois dela própria, é claro.
Rodison Roberto Santos
São Paulo, 14 de outubro de 2023